Ministério Público investiga inspector das Finanças que terá explorado imigrantes

Funcionário do Estado contratava mulheres para limparem a casa ou cuidarem da mãe. Despedia-as, alegando que não serviam para a função. Mas não lhes pagava o tempo de trabalho. Oito mulheres denunciaram-no ao PÚBLICO há uma semana.

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Eni e Etelvina decidiram denunciar a situação, indignadas Daniel Rocha

O Ministério Público vai investigar o inspector das Finanças que terá explorado imigrantes que cuidavam da mãe, um caso denunciado pelo PÚBLICO há uma semana. A Procuradoria-Geral da República "procedeu à recolha de elementos e decidiu remetê-los ao Ministério Público competente, com vista à instauração de inquérito", confirmou o seu gabinete de imprensa.

O inspector das finanças contratava mulheres para cuidarem da mãe. Um dia mandava mensagem a dizer: “Está dispensada.” E não lhes pagava. Ao longo de vários meses de 2016, este inspector das Finanças em Lisboa terá explorado mais de uma dezena de mulheres. Pelo menos duas delas contabilizaram 13 trabalhadoras não pagas, todas imigrantes. O PÚBLICO falou com oito. Uma apresentou queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Nessa queixa, referem-se as 13 mulheres e o inspector é acusado de abuso de poder. Na queixa lê-se que ele ameaçava que denunciaria as mulheres ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e que as acusaria de maltratarem a mãe, que terá 95 anos.

“Que bom, que bom”, disse uma das mulheres, Etelvina Pereira, quando o PÚBLICO revelou a investigação do MP. “Sabia que isto não ia ficar indiferente. Porque é injusto. Somos pessoas que trabalham porque precisam e ele aproveita-se das situações”, acrescentou.  Etelvina trabalhou em casa do inspector em Dezembro, durante cerca de duas semanas. Ao 17.º dia, recebeu uma SMS a dizer-lhe que não precisava de voltar. Mas a mensagem foi enviada por uma das empregadas dele, a pedido do próprio. A mesma que, diz Etelvina, tinha sido proibida de lhe abrir a porta. “É aquilo que faz a todas. E as coisas ficam lá, não deixa irem buscá-las”, contou.

Inspector disse não ter pago

Etelvina estava determinada a ir fazer queixa à ACT, e Eni Marques também já tinha manifestado essa intenção. Eni começou como cuidadora e passou a fazer limpeza, seria dispensada ao fim de mais de um mês sem nunca lhe ter sido pago “um cêntimo” — apenas o passe.

O próprio inspector, em entrevista, admitiu que não pagou a seis das mulheres que o PÚBLICO referiu na notícia. Alegou primeiro que “nenhuma dessas pessoas” lhe tinha apresentado “identificação”, que “não sabia o apelido delas”. “Estamos a falar supostamente de pessoas que existem”, disse. Depois de garantir não recusou pagar o que lhes devia, confessou: “Não paguei. Porque nenhuma delas me apresentou os documentos de identificação ou passaportes. E todas se recusaram a celebrar contrato escrito que é obrigatório.” Além de “terem demonstrado que não tinham competência para assistência à minha mãe”.

A história que as várias mulheres contaram ao PÚBLICO repete-se. São todas imigrantes, a maioria brasileiras, várias sem autorização de residência legal. Todas dizem ter ficado a prestar serviço de cuidadora ou de limpeza, em média por duas semanas, umas mais e outras menos, até receberem uma mensagem a despedi-las, frequentemente a dizer que a “mãe” não se adaptou a elas. Seguia-se o pedido de um número de identificação bancária para transferência do dinheiro pelo serviço prestado, e depois disso silêncio total — e nada de pagamento. Mensalmente, quatro pessoas trabalhavam para o inspector, conta quem lá esteve. 

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