Almaraz: Portugal vai retirar a queixa contra Espanha

Em contrapartida, Espanha compromete-se a não tomar decisões "até que as autoridades portuguesas tenham analisado as informações pertinentes".

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Enric Vives-Rubio

Portugal vai retirar a queixa contra Espanha com base na decisão de construir um armazém de resíduos nucleares em Almaraz, apresentada à Comissão Europeia em Janeiro. A decisão resulta da reunião realizada em Malta, em 3 de Fevereiro de 2017, por iniciativa de Jean-Claude Juncker, anunciou o presidente da Comissão Europeia e os chefes de Governo português e espanhol, António Costa e Mariano Rajoy, esta terça-feira em comunicado conjunto.

Numa declaração assinada por Costa e Rajoy, os dois líderes sublinham os "normes desafios económicos, sociais e geopolíticos que a União Europeia enfrenta neste momento" e por isso "os litígios entre Estados-membros que são tradicionalmente aliados, devem ser resolvidos rapidamente, de forma consensual e num espírito de cooperação".

O que o entendimento define para Espanha

  • “Partilhará com Portugal toda a informação pertinente em matéria de ambiente e segurança nuclear e facultará, se for caso disso, toda a informação necessária com vista a determinar a ausência de efeitos significativos do projecto no território português.”
  • “Organizará, o mais rapidamente possível, uma visita das autoridades portuguesas às instalações, a fim de expor a tecnologia e as características de segurança propostas, além de todas as reuniões de informação e de esclarecimento necessárias. Esta visita irá contar com a participação da Comissão Europeia, designadamente representantes de alto nível do gabinete do presidente Juncker e das Direcções-Gerais do Ambiente e da Energia, que serão convidados para o efeito.”
  • “Não emitirá nem executará a autorização para iniciar o funcionamento do armazém de resíduos nucleares até que as autoridades portuguesas tenham analisado as informações pertinentes e a visita se tenha realizado. A visita e o intercâmbio de informações terão lugar no decurso dos próximos dois meses. Durante este período, a Espanha abster-se-á de tomar quaisquer medidas que possam ser consideradas irreversíveis por qualquer das partes do acordo ou passíveis de comprometer o resultado da consulta a Portugal. Ao invés, este período deverá ser aproveitado para analisar e ter em conta, num espírito construtivo e de boa-fé, qualquer preocupação legítima formulada por Portugal quanto ao projecto, bem como para ponderar a possibilidade, no interesse de boas-relações de vizinhança, de qualquer medida adequada que possa contribuir para dirimir as preocupações legítimas manifestadas por Portugal.”

O que o entendimento define para Portugal

  • “Comprometer-se-á, à luz dos contactos estabelecidos no sentido de uma resolução amigável, a retirar a sua queixa apresentada nos termos do artigo 259.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), sem prejuízo da possibilidade de recorrer ao artigo 259.º do TFUE no futuro.”
  • “Além disso, Espanha e Portugal aceitam acelerar, em conjunto com a Comissão Europeia, os trabalhos do Grupo de Alto Nível em matéria de interligações no Sudoeste da Europa, a fim de desenvolver os projectos de interligação das redes de gás e de electricidade necessários para assegurar as ligações entre Portugal e Espanha, bem como entre a Península Ibérica e os mercados europeus. Tal irá aumentar a segurança do abastecimento energético da Europa, melhorar a fiabilidade do sistema de electricidade, aumentar a qualidade do serviço e reduzir as perdas de produtividade nos sectores comercial e industrial.”
  • “A existência de níveis ambiciosos de interligação reverterá em benefício da Europa, uma vez que a optimização do sistema irá conduzir a uma redução das importações de combustível e do preço da energia.”

O mesmo comunicado anuncia ainda que os dois países irão "acelerar os trabalhos do Grupo de Alto Nível em matéria de interligações no Sudoeste da Europa, a fim de desenvolver os projectos de interligação das redes de gás e de electricidade necessários para assegurar as ligações entre Portugal e Espanha".

Este projecto deverá aumentar "a segurança do abastecimento energético da Europa, melhorar a fiabilidade do sistema de electricidade, aumentar a qualidade do serviço e reduzir as perdas de produtividade nos sectores comercial e industrial".

“Tudo o que tiver a ver com impacto ambiental será analisado por Portugal”, sublinhou em reacção João Matos Fernandes, ministro do Ambiente, destacando “a componente de consulta pública”. “Vai ser a um prazo que vai ser mais comprimido que o comum dos cumprimentos, mas teremos de o saber cumprir”, disse João Matos Fernandes, ministro do Ambiente. 

Enrico Brivio, porta-voz da Comissão Europeia com a pasta do Ambiente, disse que "ainda é cedo" para determinar se será ou não necessária uma avaliação dos impactos transfronteiriços, como Lisboa reclamava, e quem a efectuará e pagará, cita a Lusa.

"Ainda é cedo para estabelecer - no sentido em que é por isso que vamos ter esta consulta, esta inspecção e esta avaliação comum da situação para perceber - se é necessário algum tipo de avaliação de impacto e que tipo de avaliação ou se a informação providenciada pelas autoridades espanholas serão suficientes para as autoridades portuguesas", afirmou.

Já o porta-voz do executivo comunitário, Margaritis Schinas, sublinhou que aquilo que se está "a testemunhar hoje é o início de um processo, que é um processo baseado na confiança entre dois parceiros", e durante o qual "todos os assuntos relevantes", incluindo uma eventual avaliação de impactos transfronteiriços, "serão tratados".

Contactado pelo PÚBLICO, João Paulo Batalha, porta-voz da Associação Cívica Transparência e Integridade (TIAC), sublinha a importância de que este acordo assente numa partilha de “informação completa, exaustiva e verificável, não só pelo governo português, mas pelas associações ambientais e pela sociedade civil e comunicada académica”. João Paulo Batalha acredita que “a atitude de preocupação do Governo se deve, em grande medida, ao trabalho da sociedade civil e por isso é importante mobilizar todos esses elementos neste dossier para que a informação seja partilhada publicamente”.

“Estamos a falar de um problema demasiado importante para que esta negociação seja um pretexto para que a discussão se faça à porta fechada. Isso seria o pior que podia acontecer, alerta.”

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