Rússia propõe aos EUA “uma nova ordem mundial pós-ocidental”

Serguei Lavrov criticou a NATO no dia que Pence garantiu o apoio “inabalável” de Washington, embora com contrapartidas. Anunciado cessar-fogo no leste da Ucrânia.

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Serguei Lavrov durante o seu discurso em Munique EPA/PHILIPP GUELLAND

A Rússia quer uma relação “pragmática” com os EUA e propõe uma “nova ordem mundial pós-ocidental”, declarou este sábado o ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov. O chefe da diplomacia russa referiu-se ainda à NATO como a causa para o aumento da tensão na Europa, enquanto o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, garantiu apoio “inabalável” à Aliança Atlântica.

É uma pergunta cada vez mais recorrente nos corredores das chancelarias de toda a Europa e também nos corredores de Washington – o que quer a Rússia? Analistas dividem-se e tentam ler os sinais de fumo que saem regularmente do Kremlin. Há quem veja na recente assertividade russa a nível externo apenas uma forma para os seus governantes conseguirem manter a popularidade interna do Presidente Vladimir Putin em alta. Outros vêem a Rússia a querer minar a ordem liberal ocidental, fazendo-o através de interferência em eleições e apoio a partidos anti-sistema. Há ainda os que receiam que Putin queira reconstruir o império soviético, sob o manto de uma ideologia obscura com raízes no final do século XIX conhecida como o “euroasianismo”.

Nos seus discursos, Putin e os dirigentes russos vão dando algumas pistas que apontam para algo mais concreto – a Rússia quer um lugar à mesa das grandes potências, de preferência em pé de igualdade com os EUA. Foi isso que Lavrov foi dizer à Conferência de Segurança de Munique, a primeira congregação de decisores políticos mundiais após a tomada de posse de Donald Trump.

“Que tipo de relação queremos com os EUA? Uma [baseada no] pragmatismo, respeito mútuo e no entendimento da especial responsabilidade pela estabilidade global”, afirmou Lavrov, perante uma assistência que incluía Mike Pence.

Um dos pontos mais contenciosos da perspectiva de Moscovo é a expansão da NATO a leste, que Lavrov responsabiliza pelo “nível de tensão sem precedentes na Europa nos últimos 30 anos”. Esta é uma visão amplamente partilhada pelo Governo russo, que considera os avanços da NATO até perto das suas fronteiras como uma provocação. A Aliança diz que está apenas a prestar garantias de segurança aos seus Estados-membro do Leste.

No painel anterior, Pence tinha garantido o apoio “inabalável” de Washington à Aliança Atlântica, mas manteve o aviso de que os Estados-membro terão de aumentar os gastos com a defesa para os 2% do PIB previstos pelo tratado fundador. O vice-presidente norte-americano disse ainda que quer “responsabilizar a Rússia” pelo seu papel nas guerras na Síria e na Ucrânia.

Os EUA e a União Europeia insistem na manutenção das sanções económicas até que os Acordos de Minsk – que visam alcançar uma solução diplomática para o conflito ucraniano – sejam cumpridos. E esta semana a Casa Branca exigiu a devolução da península da Crimeia, anexada em 2014 pela Rússia, à Ucrânia – palavras que mereceram uma resposta negativa de Moscovo.

Enquanto Lavrov e Pence discursavam em Munique, Putin assinava uma ordem presidencial que reconhece como legais na Rússia documentos de identificação emitidos pelas autoridades separatistas do leste da Ucrânia, numa prova de que o desanuviar das relações pode não estar para breve. Putin argumenta que a decisão é destinada a “proteger os direitos humanos e as liberdades” dos cidadãos dos territórios ocupados pelos separatistas pró-Rússia. Em Kiev, o decreto é encarado como o reconhecimento de uma ocupação de território considerada ilegal e que pode dificultar ainda mais o entendimento diplomático e o cumprimento dos Acordos de Minsk.

Ao fim do dia, Lavrov anunciou ter chegado a acordo para um cessar-fogo no leste da Ucrânia e para o início do recuo do armamento pesado a partir de segunda-feira, após conversações com os seus homólogos ucraniano, alemão e francês. Várias tréguas têm sido marcadas desde que o Acordo de Minsk foi assinado, mas ambos os lados do conflito acabaram por violá-las.

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