Contra Corbyn e May, Blair regressa a jogo para tentar travar "Brexit"

Ex-primeiro-ministro diz que os britânicos votaram sem conhecer os termos da saída da UE e acusa trabalhistas de terem deixado o caminho livre ao Governo. Ainda será capaz de mobilizar?

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Blair diz que os ministros "não estão a conduzir o autocarro, estão a ser conduzidos", Toby Melville/Reuters

Tony Blair deixou em definitivo o retiro político onde, com mais ou menos excepções, se manteve na última década para assumir a “missão” de liderar a oposição aos planos de Theresa May para a saída da União Europeia e convencer os britânicos de que o “salto para o precipício” com que podem confrontar-se em breve não é inevitável. Palavras que enfureceram os eurocépticos – rápidos a apontar a arrogância do antigo primeiro-ministro –, mas que são em primeiro lugar um ataque a Jeremy Corbyn, o líder trabalhista que deixou terreno livre à primeira-ministra a gerir à sua vontade o “Brexit”.

Não foi por coincidência que o antigo primeiro-ministro britânico falou na sede da agência Bloomberg, o local escolhido pelo sucessor David Cameron para enunciar o programa que desembocou no referendo de Junho. Nem foi por acaso que anunciou a criação de um instituto – um fórum de ideias para impulsionar “um movimento que atravesse as linhas partidárias e encontre novas formas de comunicação” – seis dias antes das eleições intercalares em Stoke-on-Trent, zona industrial delapidada e bastião trabalhista que em Junho votou 70% a favor da saída da UE.

Paul Nuttal, o novo líder do partido antieuropeu UKIP, acredita que a vaga deixada pelo deputado Jeremy Hunt está ao seu alcance. Um resultado que a confirmar-se abriria mais uma brecha no apoio a Corbyn que, para evitar perder a sua base de apoio tradicional, impôs ao partido a estratégia de não bloquear o caminho ao “Brexit”, o que levou o partido a apoiar a lei que autoriza May a desencadear as negociações, sem garantir sequer que o Parlamento poderá vetar o acordo final com Bruxelas.

“A debilitação do Labour é um dos facilitadores do ‘Brexit’. Odeio dizer isto, mas é a verdade”, disse o antigo líder que encostou o partido ao centro e, sob a bandeira do New Labour, venceu três maiorias absolutas. Apesar de sublinhar “a ausência de uma oposição que seja capaz de vencer o governo”, Blair negou os rumores de que o instituto – que financiará com oito milhões de libras da sua fortuna – possa servir de base à criação de um novo partido para captar os eleitores e os deputados descontentes com as políticas de esquerda de Corbyn. O objectivo, garante, é lutar contra “o ‘Brexit’ a qualquer custo” para o qual May está a encaminhar o país.

“Sim, os britânicos votaram para saírem da UE e eu concordo que a vontade do povo deve prevalecer”, afirmou. “Mas as pessoas votaram sem conhecer os verdadeiros termos do “Brexit”. E à medida que estes se tornam mais claros, têm o direito de mudar de opinião. A nossa missão é convencê-los”, disse, exactamente um mês depois de a primeira-ministra ter definido os seus objectivos para a saída da UE, confirmando que, para controlar a imigração e negociar os seus próprios acordos comerciais, o Reino Unido deixará também o mercado único e a união aduaneira.

"Paternalista"

Blair acusou May de liderar um governo que tem no “Brexit” o seu único propósito e de ter cedido à ala mais radical dos eurocépticos por puro eleitoralismo. “Eles não estão a conduzir o autocarro, estão a ser conduzidos”, afirmou, antes de desafiar os que votaram contra a saída da UE e os que têm dúvidas a mobilizarem-se contra um desfecho que o executivo diz ser inevitável, sem ter chegado a pedir explicitamente um segundo referendo: “Este não é o tempo para o recuo, a indiferença ou o desespero, mas o tempo para nos levantarmos em defesa do que acreditamos”.

“Blair é um homem do passado”, reagiu o ex-líder do UKIP, Nigel Farage, comparando-o a um antigo pugilista que “quando precisa de dinheiro sai da reforma e é derrubado ao primeiro round”. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, acusou o antigo primeiro-ministro de “insultar à inteligência dos eleitores”. “Blair pediu aos eleitores para se levantarem, eu peço-lhes que se levantem para desligarem a televisão da próxima vez em que ele vier com a sua campanha paternalista”.

Também no campo oposto se levantaram muitas vozes a criticar a entrada em cena do antigo primeiro-ministro, mostrando que a polémica aliança com George W. Bush para invadir o Iraque, em 2003, e os milhões que amealhou na última década como consultor continuam a manchar o seu legado. Uma intervenção “grandemente prejudicial”, escreveu no Twitter Caroline Lucas, a líder dos Verdes, dizendo que Blair faria melhor em “desandar”.

Mais frios, os comentadores questionam se, dez anos depois de deixar o poder e personificando aquilo que a maioria dos votantes rejeitou nas urnas (o europeísmo e o liberalismo das elites políticas), Blair mantém alguma da capacidade de mobilizar. Concordam quase todos, contudo, que o lugar que ele pretende ocupar foi deixado vazio por Corbyn e pelos conservadores que apoiavam a permanência. E os liberais-democratas, com poucos deputados no Parlamento, não têm peso para o preencher.

Blair é “como um Bjorn Borg em fim de carreira. Apesar de manter o toque, o jogo é agora diferente”, escreveu Tom McTague no Politico. “Mas ele só está a tentar realmente voltar ao jogo porque não há ninguém a jogar no lado dele.” Ian Dunt, editor do site Politics.uk, concorda que mais ninguém parece disposto a confrontar a retórica eurocéptica dominante. "Se não for Blair, quem pode ser? Todos os outros adultos sairam da sala”.

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