A esperança de um Estado palestiniano ficou mais longe e a paz também

Ultranacionalistas israelitas e Hezbollah libanês congratulam-se com declarações de Trump. Embaixadora na ONU diz que EUA continuam a apoiar solução de dois Estados "mas estão também a pensar fora da caixa".

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Em Washington assistiu-se a um alinhamento quase perfeito entre Netanyahu e Trump Mike Segar/Reuters

Há conclusões que se podem tirar quando são os mais extremistas a festejar o que foi dito no primeiro encontro entre o Presidente norte-americano e o primeiro-ministro de Israel. Ao admitir que a criação de um Estado palestiniano não é uma condição essencial para a paz, Donald Trump deu força aos que na direita israelita pressionam Benjamin Netanyahu e anexar parte dos territórios ocupados e minou ainda mais a Autoridade Palestiniana, favorecendo os radicais que sempre se opuseram às negociações com Israel.

“Não estou a exagerar se disser que ontem houve um anúncio semi-oficial da morte da via das negociações”, paradas desde 2014, regozijou-se Hassan Nasrallah, o líder do movimento xiita libanês Hezbollah, ponta de lança do Irão contra Israel, assegurando que “para os israelitas nunca se pôs a hipótese de um Estado palestiniano”.

“A bandeira palestiniana foi arreada e substituída pela israelita”, congratulou-se também Naftali Bennet, ministro e líder do partido ultranacionalista Casa Judaica, numa alusão ao alinhamento quase perfeito entre Netanyahu e Trump, que se limitou a pedir a Israel que “refreie” a colonização – um pedido que o primeiro-ministro israelita prometeu “analisar”.

Os países e as organizações que alinharam com os EUA nas muitas tentativas para negociar a paz no Médio Oriente lamentaram a mudança de paradigma norte-americano. A paz “requer um acordo justo e abrangente baseado na solução de dois Estados”, lembrou Ahmed Aboul Gheit, o secretário-geral da Liga Árabe, onde se sentam os países que o Presidente americano disse que gostaria de ver envolvidos numa negociação abrangente. O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Marc Ayrault, classificou de “confusa e preocupante” a posição assumida por Trump. Já o líder da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, preferiu sublinhar o pedido do Presidente americano para travar a colonização.

Críticas que levaram a embaixadora norte-americana na ONU, Nikki Haley, a explicar que os EUA continuam a preferir a solução de dois Estados. “Dizer o contrário seria um erro”, afirmou, “mas também estamos a pensar fora da caixa”.

A desvalorização da promessa feita aos palestinianos “é mais um prego no caixão do processo de paz, já cheio de pregos”, disse à Reuters Martin Indyk, que foi negociador para o Médio Oriente da anterior Administração. A jornalista americana Ilene Prusher vai mais longe: “Os comentários de Trump sugerem uma falta de conhecimento da complexidade e da realidade da religião”, escreve num artigo para o Ha’aretz, em que questiona “se o Presidente americano percebe o que implica a solução de um Estado” por ele admitida – a ideia é antiga e admitida por vários sectores, mas os israelitas nunca a quiserem por recearem ficar em minoria e os palestinianos avisam que, sem direitos iguais para os dois povos, o resultado seria algo semelhante ao apartheid sul-africano.

Em Israel avisa-se também que Trump deu um presente perigoso a Netanyahu que, sem o travão que Washington impunha as acções que pusessem em causa a viabilidade de um futuro Estado palestiniano, terá menos argumentos para resistir aos ultranacionalistas que, com mais força eleitoral do que nunca, lhe exigem que construa mais casas para os colonos e a anexe pelo menos uma parte da Cisjordânia. Trump, escreveu Sima Kadmon no jornal Yedioht “tirou-lhe o tapete das desculpas debaixo dos pés”.

 

 

 

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