Até Adele achou que Beyoncé deveria ter ganho nos Grammys

Os principais galardões foram para a cantora britânica Adele que não se coibiu de afirmar que Beyoncé é que deveria ter ganho o principal – o de melhor álbum.

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Um dos momentos em que Beyoncé actuou Reuters/LUCY NICHOLSON
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Beyoncé actua durante a cerimónia dos Grammys Reuters/LUCY NICHOLSON
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Adele canta Hello Reuters/LUCY NICHOLSON
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Adele e a homenagem a George Michael que morreu no Natal passado Reuters/LUCY NICHOLSON
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Adele e a homenagem a George Michael que morreu no Natal passado Reuters/LUCY NICHOLSON
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Adele e a homenagem a George Michael que morreu no Natal passado Reuters/LUCY NICHOLSON
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Beyoncé e os prémios Reuters/MIKE BLAKE
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Adele e os prémios Reuters/MIKE BLAKE
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James Hetfield dos Metallica e Lady Gaga Reuters/LUCY NICHOLSON
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Lady Gaga Reuters/LUCY NICHOLSON
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James Hetfield dos Metallica e Lady Gaga Reuters/LUCY NICHOLSON
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Lady Gaga Reuters/LUCY NICHOLSON
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Katy Perry com o neto de Bob Marley, Skip Reuters/LUCY NICHOLSON
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Actuação de Anderson .Paak com os A Tribe Called Quest Reuters/LUCY NICHOLSON
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A actuação de Chance the Rapper Reuters/LUCY NICHOLSON

A história repetiu-se. Nos Grammys do ano passado, o grande favorito era Kendrick Lamar, que, com o álbum To Pimp A Butterfly (2015), obtivera um enorme sucesso comercial e também de crítica, sendo considerado no final do ano de 2015 como o melhor desse ano pela generalidade das publicações mais credíveis do mundo. Não chegou para que ganhasse na categoria mais apetecível, a de Melhor Álbum. Nomeado em 11 categorias, acabou por vencer apenas cinco, todas referentes à música rap. As categorias globais que transcendem géneros, as mais importantes, foram para Taylor Swift.

Exactamente como este ano. Lemonade, de Beyoncé, voltou a conciliar o sucesso comercial e crítico, surgindo no topo de inúmeras listas dos melhores do ano transacto, enaltecido pelo seu valor artístico, mas também pela abordagem social e política, pelo conteúdo estético – trata-se de um álbum visual – e pela singular estratégia de lançamento. Mas foi a britânica Adele que triunfou nas categorias principais desta edição dos Grammys – Álbum do Ano com 25, Canção do Ano e Gravação do Ano com Hello, Melhor Álbum Pop Vocal e Melhor Performance Pop.

Quando recebeu o prémio de Melhor Álbum, Adele não se poupou nos elogios a Beyoncé, enaltecendo Lemonade e a cantora americana – “O Lemonade é monumental, bem pensado, belo”, disse, e dirigindo-se a Beyoncé: “Todos nós, artistas, te adoramos. És a nossa luz. Fazes com que eu, e os meus amigos negros, nos sintamos poderosos. Fazes com que eles se defendam. Adoro-te, sempre adorei e sempre irei adorar”, afirmou emocionada. Nos bastidores seria ainda mais concreta, dizendo que deveria ter sido Beyoncé a vencer na categoria mais relevante: “Senti que era este o seu momento para ganhar”, afirmou. “O que terá ela de fazer para ganhar o álbum do ano?”, interrogou às tantas. “O meu álbum do ano era Lemonade, por isso uma parte de mim ficou muito triste, como fã dela.”

Para além das suas qualidades como intérprete, são essa genuinidade na forma de estar e a maneira emocional como comunica que parecem conquistar em Adele. Mas, mesmo em comparação com alguém que se move também no mercado das multidões como Beyoncé, difunde valores clássicos, consolando, não desafiando.

Das nove categorias para as quais estava nomeada, Beyoncé venceu duas – Melhor Álbum Urbano e Melhor Videoclipe com Formation. Ao agredecer os prémios, reafirmou a sua intenção: "Criar um trabalho que desse voz à nossa dor, às nossas lutas, ao lado negro da nossa vida e à nossa história."

Sentimentalismo vs. activismo

Foram muitas as vozes que se levantaram no ano passado argumentando que Taylor Swift é o tipo de celebridade que os Grammys celebram: conforta, não põe em causa, segue os preceitos da indústria no sentido mais clássico, não procura desvios à norma. Isto, claro está, para além de alusões de “parcialidade cultural” em relação aos jovens artistas negros que actuam segundo modelos mais independentes (foi nesse contexto que Frank Ocean se absteve de submeter o seu álbum Blonde aos prémios este ano, ou que Drake e Kanye West prescindiram de aparecer na cerimónia de domingo, apesar de estarem nomeados em algumas categorias).

Curiosamente, tal como no ano passado com Kendrick Lamar, cuja actuação foi a mais galvanizante da cerimónia, assumindo-se como voz da consciência afro-americana, adoptando o cunho politizado do disco, também o grande momento deste ano foi protagonizado pela grande derrotada da noite, ou seja Beyoncé. Apresentada pela mãe, Tina Knowles, a cantora surgiu grávida de gémeos durante a actuação quase intimista de Love drought e Sandcastles, num momento imagético e coreográfico impactante.

A britânica Adele, por sua vez, tinha aberto o cerimonial com a interpretação de Hello, acabando em Fast love – canção de homenagem a George Michael – por ter de interromper e só depois retomar a sua prestação, por estar fora de tom, nitidamente emocionada.

Como quaisquer outros galardões, os Grammys valem o que valem. Veja-se o caso de David Bowie, um dos músicos mais influentes do nosso tempo, que ao longo da extensa carreira nunca havia sido agraciado nas categorias musicais – foi-o apenas nos videoclipes e através de um prémio de carreira. Desta feita, postumamente, acabou por ganhar em quatro categorias (Melhor Performance Rock, Melhor Canção Rock, Melhor Álbum Alternativo e Melhor Embalagem de Disco) com o álbum Blackstar.

Entre os vencedores da noite deste ano destaque ainda para Chance the Rapper, que ganhou em Melhor Álbum Rap e Artista Revelação. No rock, o Álbum do Ano foi para Tell Me I’m Pretty dos Cage The Elephant, enquanto no R&B saiu vencedor o álbum de Lalah Hathaway. Na extensa lista de vencedores existe um português – André Allen Anjos, produtor de electrónica que vive nos EUA há dez anos, e que assina com o nome RAC. Levou para casa o galardão de Melhor Remistura com a recriação de Tearing me up, de Bob Moses. Já no ano passado havia sido nomeado na mesma categoria com a sua remistura para Say my name de Odesza com Zyra.

Entre os perdedores, três nomes: Rihanna, Kanye West e Justin Bieber. Os dois primeiros estavam nomeados para oito categorias e o terceiro para quatro, não tendo conquistado qualquer galardão. Para além da homenagem a George Michael protagonizada por Adele, também Prince foi alvo de um tributo levado a cabo por Bruno Mars e pelos The Time, antigos colaboradores de Prince, interpretando Let’s go crazy, de 1984.

A noite ficou ainda marcada pelo regresso ao palcos da dupla francesa Daft Punk, que se juntou ao canadiano The Weeknd para um dos temas nos quais colaboraram – I feel it coming – e para o encontro algo inesperado dos Mettalica com Lady Gaga.

Para além da prestação de Beyoncé, o outro momento poderoso da noite foi proporcionado pelos A Tribe Called Quest na companhia de Anderson.Paak e Busta Rhymes. Foi também a actuação mais politizada, com o presidente Donald Trump a ser visado na interpretação de We the people, com o palco repleto de negros, muçulmanos e latinos e com o rapper Q-Tip a gritar no final as palavras “resist, resist, resist!”. Antes Trump já havia sido lembrado na apresentação de Katy Perry, que fez uma analogia ao muro que se pretende construir na fronteira com o México.

Mas os prémios acabaram por ser menos politizados do que seria de esperar. Na opinião de muitos isso talvez se tenha reflectido na atribuição dos próprios galardões, com a academia a premiar o sentimentalismo de Adele em vez do activismo de Beyoncé.

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