Reformar a floresta sem equívocos

Afinal, existirá alguma matéria sobre a qual algum dia seja possível obter um consenso político em Portugal?

Cumprindo o seu programa, o Governo pôs, finalmente, em execução a desde sempre adiada “Reforma da Floresta”, desmentindo assim de forma clara a acusação de que o mesmo padece de falta de capacidade reformadora. Para além de desenhar a arquitetura de uma reforma tão necessária quanto urgente e complexa, o Governo decidiu colocá-la em discussão pública ao longo de três meses, promovendo múltiplas sessões de esclarecimento e debate por todo o país e abriu, por via eletrónica, canais de consulta e recolha de sugestões para cada um dos dez diplomas em discussão.

Entre aplausos e algumas críticas, foram recebidos cerca de 600 contributos escritos, sendo que alguns mais têm sido recolhidos a partir da intervenção de alguns colunistas na comunicação social, parte dos quais têm vindo a público expressar as suas opiniões. Nalguns casos revelando deficiente perceção do conteúdo dos diplomas e, noutros, revelando ser essa opinião apenas uma mera expressão de luta política. É  ocaso, por exemplo, de opiniões emitidas por membros do anterior Governo que, no afã de dizer mal, não se coíbem de pôr em causa decisões tomadas por si próprios.

Do lado dos equívocos, saliento a posição do deputado do Bloco de Esquerda que veio propor um suposto modelo alternativo para promover a gestão económica e social dos espaços florestais que é, afinal, igual à proposta do Governo, uma vez que, como se sabe, só cooperativas e empresas podem desenvolver atividade económica. O desejável fortalecimento, envolvimento e empenho das associações florestais que o deputado propõe, e que o Governo partilha, é fundamental e imprescindível para o sucesso da reforma, mas não para a gestão económica da floresta, pela condicionante atrás referida.

O Governo irá agora incorporar nos diplomas os contributos positivos recebidos, que os irão enriquecer e complementar. O Executivo propõe-se igualmente levar a cabo um conjunto de mudanças, de cujo efeito conjugado estou ciente de que resultará o primeiro e decisivo passo de uma tarefa que todos sabemos ser gigantesca e não isenta de riscos.

Em síntese, o Governo propõe ao país e espera dele o consenso político e social necessário para pôr em execução:

  1. Um sistema que permita identificar, num prazo curto, a propriedade rústica em todo o território, de forma gratuita para os interessados, através da criação de um registo cadastral simplificado;
  2. Um Banco de Terras, nele integrando todo o património fundiário do Estado e as “terras sem dono conhecido” que vierem a ser identificadas, mas que poderão ser reclamadas pelos seus proprietários nos quinze anos subsequentes, se estes entretanto surgirem;
  3. Um generoso regime de incentivos fiscais para estimular a criação cooperativas de produtores florestais e de empresas que se disponham gerir espaços florestais próprios, arrendados ou cedidos para exploração pelo  Estado através do Banco de Terras;
  4. A inclusão da componente florestal nos Planos Diretores Municipais (PDM), de acordo com as diretrizes contidas nos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), e a atribuição às autarquias locais de competências para autorizar ações de arborização e  de rearborização;
  5. A limitação da expansão da área global do eucalipto, tal como foi decidido pelo anterior Governo no processo de revisão da Estratégia Florestal Nacional, apenas sendo permitidas novas plantações por compensação de áreas retiradas à produção, no quadro de ações que visem o aumento da produtividade (produção de mais metros cúbicos de matéria prima em menos metros quadrados);
  6. A criação de Centrais de Biomassa para, através da recolha de resíduos florestais, reduzir simultaneamente o risco de incêndio, produzir energia e quiçá, a curto prazo, biocombustíveis;
  7. Um conjunto de outras medidas difíceis de enumerar por limitação de espaço, que, coordenadas, concorrem para a diminuição do risco de incêndio e para melhorar o combate, para a gestão sustentável das florestas e para o aproveitamento económico de áreas consideráveis, hoje abandonadas.

Dizem alguns que, para esta tarefa, é difícil, senão mesmo impossível, a obtenção do consenso nacional que o Governo reclama. Se assim for, resta então perguntar se, afinal, existirá alguma matéria sobre a qual algum dia seja possível obter um consenso político em Portugal?

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