Partícula a partícula, software português dá som às batalhas de Hollywood

O programa de áudio criado por um professor de Leiria é utilizado em grandes produções de cinema e está agora nomeado para um prémio em Los Angeles.

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O Sound Particles começou como um hobby de Nuno Fonseca NUNO FERREIRA SANTOS

Há relâmpagos, tiros e explosões seguidas. O som da chuva mistura-se com centenas de raios laser vindos de todas as direcções e, ao longe, ouve-se uma orquestra de percussão. É a banda sonora do confronto entre dois super-heróis no filme Batman vs. Super-Homem: O Despertar da Justiça, e foi criada com a ajuda de um programa de computador desenvolvido pelo engenheiro informático português Nuno Fonseca.

O programa chama-se Sound Particles e está nomeado para um prémio pela Cinema Audio Society, uma sociedade cinematográfica norte-americana que distingue desempenhos excepcionais na área da edição de som. Os resultados serão revelados neste sábado, em Los Angeles.

“É ideal para grandes produções cinematográficas. Quando se quer recriar o som de uma grande batalha épica em vez de tentar sobrepor imensos sons numa faixa de edição de áudio, podem-se atribuir sons a várias partículas espalhadas num espaço 3D,” explica o criador, Nuno Fonseca, de 41 anos. Além de dar aulas no Instituto Politécnico de Leiria, Nuno Fonseca também trabalha na Escola Superior de Música, em Lisboa, onde conversou com o PÚBLICO.

O software do português utiliza um sistema de partículas – um conceito semelhante ao utilizado para criar imagens animadas por computador – que permite gerar milhares de sons em simultâneo, dispô-los num ambiente tridimensinal e definir a sua duração, timbre e volume.

“Algumas partículas podem reproduzir o som de balas, outras, o som de explosões ou os gritos de pessoas. É uma forma mais simples de criar ambientes áudio mais ricos e complexos. Em vez de seleccionar cada som individualmente, o Sound Particles permite facilmente ter dez mil partículas de som espalhadas aleatoriamente por um rectângulo com um quilómetro de largura”, explica o engenheiro.

Um exemplo de edição de sons de guerra com o Sound Particles. Por Nuno Fonseca

Desde que começou a ser comercializado. em 2015, o Sound Particles tem sido utilizado em produções de vários estúdios em Hollywood, como a Warner Bros, a Sony Pictures e a Skywalker Sound, a equipa de edição de som por detrás de A Guerra das Estrelas. O resultado pode ser ouvido em filmes como Poltergeist e O Dia da Independência: Nova Ameaça, e na série de TV Black Sails.

Os estúdios tiveram conhecimento do programa através de um email enviado pelo próprio Nuno Fonseca. “Nestas coisas, é mesmo preciso sermos um bocado ingénuos e convencidos sobre o potencial do nosso trabalho. Poderia ter pensado que a probabilidade de o meu produto chegar a Hollywood era baixa, mas o meu objectivo sempre foi desenvolver um software que facilitasse a criação de grandes cenas épicas com milhares de soldados e naves espaciais a voar ao mesmo tempo."

A confiança deu frutos. Um dos primeiros estúdios a contactar Nuno Fonseca, ainda o Sound Particles era um protótipo, foi a Skywalker Sounds. Agora, vende todos os meses entre dez e 40 licenças do programa, que está apenas disponível na loja de aplicações para computadores Mac e custa 300 euros. As vendas já representam mais do que ganha a dar aulas, mas o dinheiro serve sobretudo para pagar as visitas cada vez mais frequentes a Los Angeles, bem como para comprar material de áudio e pagar a pessoas para o ajudarem a acelerar o desenvolvimento do software.

Porém, nem todos precisam de pagar pelo Sound Particles. O acesso é gratuito para escolas, professores e alunos. “Tive alguns estúdios a dizer que podia ter definido o valor da licença em pelo menos mil dólares, mas se tivesse entrado com um produto muito caro apenas os estúdios de topo é que iam conseguir comprar o software. Se eu não tivesse sucesso, estava condenado ao falhanço. Estagnava. Com um software mais em conta, deixa de ser uma coisa de nicho que só meia dúzia de pessoas no mundo é que conhecem e usam.”

O programa também tem sido usado por profissionais fora da área do cinema. O  engenheiro de som italiano Simone Corelli nunca utilizou o Sound Particles para filmes, mas é um fã da ferramenta. “Em Itália é raro trabalharmos em filmes épicos cuja banda sonora precise de uma ferramenta deste tipo, mas estou a utilizar o Sound Particles no meu trabalho com o artista Piero Mottola. Quero explorar a relação entre sons e emoções utilizando o Sound Particles para recriar o movimento virtual dos ouvintes dentro de nuvens de áudio com um elevado impacto emocional que contenham centenas de sons”, explica ao PÚBLICO.

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O Sound Particles permite situar milhões de partículas de som num espaço virtual

O designer francês de som para videojogos Yoann Morvan é outro dos utilizadores. "É um programa que nos dá um número infinito de possibilidades de criar efeitos sonoros complexos e com precisão em vários canais. A interface também é muito fácil de utilizar, mas recomendo que se tenha um bom processador", observa. 

"Há muitas pessoas que utilizam o software de formas que eu nunca teria imaginado," diz Nuno Fonseca, que também descobriu que o programa tem várias aplicações na área dos videojogos e da realidade virtual, onde a precisão do som é fundamental. “Uma das características do Sound Particles é que consegue posicionar um som em cima de um ponto específico no espaço. É uma mais-valia em ambientes de realidade virtual. Se estou a ver uma explosão à minha frente, mas o som vem de dez metros ao lado, a sensação vai ser completamente falsa.”

 

Som de carros futuristas. Por Yohann Bernard

Só em Novembro é que o Sound Particles deixou de ser “o Nuno atrás de um website” e passou a ser uma empresa. "Até ao momento o Sound Particles é o meu 'hobby'. O software foi todo feito por mim, desde escolher os pixéis, a fazer o design, até às 100 mil linhas de programação. Se estou em casa e tenho tempo livre, gosto de fazer mais qualquer coisa no Sound Particles, porque me dá um gozo enorme. Para mim, não é trabalho, é divertido."

Artigo editado por João Pedro Pereira

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