O voo de Momo pousou em Lisboa e aí fez outro Brasil

Ao quinto disco, Momo voou. Com produção de Marcelo Camelo e gravado em Lisboa, onde o cantor brasileiro mora desde 2015, Voá é um salto em frente num caminho promissor.

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Aquela noite começou mal. Marcelo Frota chegou a Lisboa numa noite de Maio de 2015, eram umas duas horas da manhã. No aeroporto, o seu violão (“que só uso para estúdio, um violão de 1940”), quebrou-se e o taxista que o transportou desentendeu-se com a morada e deixou-o, só, junto à estação de Santa Apolónia. Até que um outro, mais compreensivo, o transportou até à porta da casa que alugara em Alfama. E foi aí que o pesadelo inicial se desvaneceu: “Tinha uma casa de fado em frente, aquela música linda, e pensei: cheguei no lugar certo. Aí mudou tudo.”

Quando chegou a Lisboa, Marcelo já não era um principiante. Nascido em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, em 17 de Fevereiro de 1979, faz hoje 38 anos (a mãe é de São Paulo e o pai do Ceará), ele já se iniciara na música como Momo. Gravou o primeiro disco em 2006, A Estética do Rabisco, aplaudido pelas revistas Down Beat e Muziq, seguindo-se Buscador (2008), Serenade of a Sailor (2011) e Cadafalso (2013), que foi elogiado por Patti Smith. Isso a solo, já que ele foi participando noutros projectos. Em 2012 cantou em dois tributos: gravou Alguém cantando no álbum internacional Tribute to Caetano Veloso; e fez uma versão no disco The Clube Da Esquina Years. Já em 2013-2014, numa passagem por Lisboa, integrou o disco colectivo O Clube, junto com os brasileiros Cícero, Wado (seu parceiro de composições) e os portugueses Diego Armés, Fred Ferreira, Alexandre Bernardo e Bernardo Barata. Das doze canções do disco, Marcelo (ou Momo) assinava três: Pescador, Flores do bem e Nuvem negra.

Na bagagem, porém, ele tinha já um misto de experiências. Morou cinco anos em Luanda, pois o pai trabalhava no sector do petróleo (“morava eu, meu pai, minha mãe e meu irmão”); depois no Rio de Janeiro; esteve nos Estados Unidos, aos 17 anos, num intercâmbio, ficando mais de um ano no Michigan (“um dos estados que elegeu Trump”); e por fim em Espanha, Barcelona: “Fui produzir o disco de uma cantora brasileira, Flávia Moura, em Palma de Maiorca e depois fui para Barcelona e fiquei apaixonado pela cidade”. Isto não significa que a sua música, hoje, reflicta tais viagens. “Conscientemente não”, diz Momo. “Mas ainda há dias eu estava a tocar uma das músicas do meu primeiro disco, A Estética do Rabisco, que gravei depois de vir de Espanha, e acho que tem ali alguma coisa do flamenco.” Certo é que a sua maior inspiração é mineira: “O Clube da Esquina, pra mim, é das grandes pérolas da música popular brasileira. Aquele primeiro disco, o duplo, tem coisas maravilhosas, Milton, Wagner Tiso, Lô Borges…”

Marcelo produz Marcelo

Quando Momo esteve em Lisboa pela primeira vez achou a cidade agradável mas não pensou nela para morar. Foram Marcelo Camelo e Mallu Magalhães que o incentivaram, num encontro ocasional no Rio de Janeiro. “Na época, o Marcelo e a Malu já estavam morando em Lisboa. Em 2014 eu estava morando em Chicago, fui lá fazer shows e gravar. Quando voltei para o Brasil, encontrei o Marcelo e a Mallu numa esquina do Leblon. A Banda do Mar [grupo que os dois músicos brasileiros formaram com o português Fred Ferreira] estava fazendo uma tournée no Brasil. Aí eles me incentivaram a ir para Portugal. Eu estava no Rio, mas estava querendo alguma mudança. E eles me desafiaram: vamos passar um tempo em Lisboa, a cidade está muito pulsante, muita coisa acontecendo, muita música, muita gente vindo de fora.” Ele foi e ficou. Primeiro em Alfama e depois na Madragoa, onde vive. “É uma cidade calma. E a gente precisa desse clima, dessa paz interna. Eu não me inspiro no caos urbano ou no barulho, preciso de paz, uma coisa contemplativa. E Lisboa é uma cidade perfeita para esse tipo de coisas.”

Esse “tipo de coisas” inclui, naturalmente, compor e gravar. E foi assim que Voá nasceu em Lisboa. “Fiz mais de vinte músicas aqui, foi difícil escolher as dez para o disco.” Os discos anteriores foram todos gravados e produzidos por ele. “Eu sou autodidacta.” Mas neste foi Marcelo (Camelo) quem produziu Marcelo (Frota, aliás Momo). “A gente conversou muito, antes de gravar. Eu ia fazendo as músicas e mandando para o Marcelo. E ele foi fazendo a maqueta na casa dele.” Das doze canções de Voá, três são exclusivamente de Marcelo Frota (Alfama, Pássaro azul e Song of hope), sendo as restantes feitas em parceria, a maioria com Thiago Camelo, irmão de Marcelo Camelo (Esse mar, Pensando nele, Meu menino, Roseiras) e as restantes com Wado (Nanã) e Rita Redshoes (Mimo). “O que é bom nas parcerias é poder entrar o olhar do outro, a ideia do outro, a poesia do outro, porque cria uma terceira coisa. Músicas como Pensando nele, onde ele diz ‘meu menino’, são coisas que eu não escreveria antes e isso é enriquecedor.” Em geral, o género de canções escolhidas imprime-lhe um outro rumo. Momo: “Uma coisa decisiva, neste disco, é o repertório. Que imprime um outro lado meu, o de compositor. Menos introspectivo, um pouco mais para fora, um pouco mais solar.”

Mas se o lado solar é privilegiado, há também no disco um toque da Lisboa nocturna. Em Alfama, Momo conta com a participação especial de Camané, que ele ali conheceu e se foi tornando seu amigo. “Conheci-o assim que cheguei aqui, uns amigos nos apresentaram, eu não sabia sequer que era o Camané. Mas comecei a mandar umas músicas pra ele, dos discos anteriores, e aí começou a nossa amizade e admiração mútua. Ele viu nascer quase todo o repertório desse disco, eu gravava as músicas e mandava pra ele, ele ia nos shows. Essa era uma música onde achei que fazia sentido a voz dele. E quando o Marcelo me mandou a mixagem da música fiquei super-emocionado, para mim é um momento muito especial no disco.”

No dia 10 de Fevereiro foi o Voá de Momo que abriu a Avenida Paulista no São Luiz, na cidade onde mora. É que, para já, voe para onde voar, Momo pensa continuar em Lisboa. Pela música e pelo resto. “Fiquei por condições da vida, do destino. Eu vou com o vento. Vejo para onde o vento está soprando e ele realmente me guia. Estou sempre tentando perceber o que o mundo me diz, o que ele é pra mim. E a minha música é um pouco isso, talvez por intuição, não sei.”

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