Mohammad, o sírio que brilha na robótica em Coimbra

Teve 20 valores na sua tese de mestrado em Engenharia Mecânica. É um dos sírios que veio ao abrigo do programa de apoio a estudantes de Jorge Sampaio. Tornou-se uma peça "fundamental" no laboratório de robótica da Universidade de Coimbra

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Mohammad Safeea chegou À Universidade de Coimbra em 2014 onde veio desenvolver a sua paixão pela robótica LUSA/PAULO NOVAIS
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O orientador de tese do estudante diz que o seu "trabalho original está a ser avaliado numa das melhores revistas da área" LUSA/PAULO NOVAIS

Mohammad Safeea, sírio de 29 anos, teve 20 valores na tese de mestrado em Engenharia Mecânica, na Universidade de Coimbra, no ano passado. Hoje, está a fazer doutoramento e é já uma peça "fundamental" no laboratório de robótica.

Assim que se fala nos 20 valores, Mohammad começa a rir-se, num jeito meio tímido, e recusa colher os louros: "Foi por causa da ajuda dos meus amigos e do meu professor, que é muito brilhante e deu-me muitas ideias".

Natural de Damasco, mas de origem palestina, saiu da Síria pouco depois de a guerra eclodir no país, em 2011. O sírio, que desde pequeno sempre teve os robôs como uma paixão, esteve dois anos na Argélia e sem possibilidade de prosseguir os estudos.

Chegou à Universidade de Coimbra (UC) em 2014, no âmbito da plataforma lançada pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio: "28 de Março de 2014", diz de cor.

Apesar dos dois anos de interregno, o jovem sírio conseguiu fazer um "trabalho original que está a ser avaliado numa das melhores revistas da área", diz o seu orientador de mestrado e doutoramento, Pedro Neto.

Para Mohammad Safeea, há muitos motivos que o levaram a entregar-se daquela forma a uma tese. Por um lado, uma "paixão de criança" pela robótica, por outro, a vontade de singrar. "Vens da Síria e tens de mostrar que trabalhas bem. Vens de um país em guerra e então tens de construir um futuro. Tenho de trabalhar no duro para isso", sublinha.

Na Síria, Mohammad era visto como um refugiado - os seus pais são refugiados palestinos. Essa condição desde cedo o ensinou a lutar e a mostrar que era capaz. "As pessoas têm outro olhar. Não te levam a sério. Tens de dar provas primeiro", sublinha o estudante, que ora fala em português ora em inglês.

Na tese de doutoramento integra um projecto europeu para evitar colisões entre robôs e humanos, em contexto de fábrica. "A experiência que existe é que quando os robôs trabalham sozinhos não são muito eficientes e quando os humanos trabalham sozinhos também não é muito eficiente. É preciso tirar o melhor dos dois".

No laboratório, equipado com sensores, avança contra um braço robótico, que se vai desviando dos movimentos do investigador. Aqui, quer-se criar "o fato do futuro", frisa.

Pedro Neto sublinha que o jovem sírio é hoje "um membro bastante importante do laboratório". "Falta mão-de-obra especializada nesta área e ele veio, de certa forma, suprimir essa falta", realça, considerando que "não é comum" encontrar-se alguém com as capacidades do Mohammad, seja sírio, português ou de outra nacionalidade qualquer.

Da arquitectura à música

No entanto, não é só Mohammad que está a criar um caminho de sucesso pela Universidade. "Todas as histórias são de sucesso. Há uma boa integração dos estudantes na Universidade, com a comunidade académica, e todos eles se sentem muito bem por terem sido acolhidos nesta cidade", diz a assessora da vice-reitora Clara Almeida Santos, Teresa Baptista.

Ao todo, a UC conta com seis estudantes da plataforma promovida por Jorge Sampaio. 

Mounir, de Alepo, está a pensar em abordar o tema da "reconstrução" no doutoramento em arquitectura, recordando a sua cidade, uma das mais afectadas pela guerra civil. "A vida aqui é boa", constata o estudante de 25 anos, que, ao início, se sentia um "turista" na cidade, mas que hoje está adaptado e já aprende a cantar temas de Fernando Lopes-Graça no Coro Misto da Universidade de Coimbra, onde é tenor.

Omar, de Idlib, perto de Alepo, terminou o mestrado em Engenharia Informática, na UC, e já está a trabalhar, no âmbito de um estágio profissional, em Lisboa. "Conheço as pessoas e conheço a língua. Se continuar a ter trabalho, vou ficar aqui", diz.

Já Mohammad é mais assertivo na hora de falar sobre Portugal. Para o investigador que gosta de ouvir Blasted Mechanism e de comer bacalhau, Coimbra é já "uma segunda casa". "Quero ficar aqui para sempre. Tenho muitos amigos, amigos especiais, e aqui é como uma segunda família para mim", diz, em português, o jovem sírio, de sorriso fácil, que encarou a presença para Coimbra como uma "oportunidade única na vida". "Não a podia desperdiçar. A minha vida depende disto".

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