“Combate à corrupção devia começar nos bancos da escola”

Para a procuradora Cândida Almeida é perigoso sobrevalorizar o problema, porque cria a ideia de que a corrupção se generalizou ao ponto de se tornar aceitável.

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A procuradora Cândida Almeida considera que a corrupção não é um problema endémico Pedro Cunha

No debate instrutório do caso dos vistos gold, fase processual que é uma espécie de pré-julgamento, a procuradora titular do processo, Susana Figueiredo, recorreu à história de Portugal para traçar a evolução do fenómeno da corrupção, explicando como as classes dirigentes trocaram o comércio de especiarias e armas de fogo da época dos Descobrimentos pelo “mercadejar dos alicerces do aparelho de Estado ao mais alto nível”.

“Percebemos, com este processo, que não existe qualquer casta de puros, e que esta prática é um problema endémico no aparelho do Estado”, observou. O juiz Carlos Alexandre havia de se referir ao caso em termos tão ou mais acutilantes: falou em "lamaçal".

O PÚBLICO falou com várias pessoas que se têm debruçado sobre os contornos deste tipo de crimes. “Não acho que seja um problema endémico. Há países no Norte da Europa onde as matérias militares não podem ser investigadas, por constituírem segredo de Estado”, observa a ex-directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida. Para a magistrada, é perigoso sobrevalorizar o problema, porque cria a ideia de que a corrupção se generalizou ao ponto de se tornar aceitável.

“Era importante que o combate ao fenómeno começasse nos bancos da escola, ao nível da educação cívica”, preconiza. Afinal, já se ensina a preservar o meio ambiente, outro direito de terceira geração, compara. “Numa visita que fiz a Hong-Kong fiquei impressionada com uma campanha que vi na região, e que mostrava uma maçã muito bonita mas podre por dentro”, recorda.

Mais transparência da administração pública

Para Valadares Tavares, que foi presidente do Instituto Nacional de Administração, nada seria igual se os diferentes organismos da administração pública divulgassem online as decisões que tomam sobre os diferentes processos que têm em mãos, sejam eles vistos, licenciamentos ou autorizações de qualquer tipo. “O Estado passava a ter de cumprir prazos”, observa. Se há lacunas na formação dos altos dirigentes da administração? “Claro que sim. Ultimamente desinvestiu-se muito”, critica.

O processo dos Vistos gold mostra como podem ser pervertidos os objectivos de um organismo criado precisamente a trazer mais transparência às nomeações, a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). “Fez um trabalho muito bom – mas, no final, a decisão política é que vinga nas nomeações”, frisa o presidente da associação cívica Transparência e Integridade, Luís de Sousa. Neste caso, dos vistos gold, os ingredientes da corrupção já lá estavam todos à partida, nota: os monopólios de decisão e a discricionariedade interpretativa das normas a aplicar. É a tempestade perfeita, diz.

Patrícia Silva, que estudou os jobs for the boys como investigadora da Universidade de Aveiro, recorda que até mesmo em sistemas considerados mais evoluídos, como o do Reino Unido, os governantes conseguiram arranjar maneira de nomear pessoas da sua confiança para levarem com eles para os gabinetes, em vez de recorrerem à máquina administrativa, como era suposto: nomeiam special advisors. Afinal, como se diz há muito tempo, o poder corrompe. 

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