Tribunal da Relação do Porto declara inconstitucional crime de incentivo à prostituição

Se "a decisão transitar em julgado ou vier a ser confirmada pelo Tribunal Constitucional", o lenocínio deixa de ser crime, explicou o advogado João Martins Leitão.

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O acórdão da Relação do Porto faz menção a uma decisão do Tribunal Constitucional, proferida em Dezembro de 2016, que considera constitucional o crime de lenocínio Paulo Pimenta

O Tribunal da Relação do Porto (TRP) declarou inconstitucional o lenocínio — incentivo à prostituição com fins lucrativos —, e defendeu que este crime deveria ser despenalizado e passar a ser punido através de contraordenação.

O acórdão agora proferido, a que a agência Lusa teve acesso, surge na sequência do recurso interposto pela defesa de dois dos quatro arguidos condenados na primeira instância, no ano passado, a penas de prisão até dois anos e nove meses, num processo de lenocínio julgado em Felgueiras.

“É uma decisão notável, inovadora e inédita ao nível de um tribunal superior. Tecnicamente rechaça a existência do crime de lenocínio simples, decisão que se transitar em julgado ou vier a ser confirmada pelo Tribunal Constitucional, significará que esta conduta deixará de ser crime”, explicou à Lusa João Martins Leitão, advogado que interpôs o recurso para o TRP juntamente com o advogado Carlos Mendes Pinto.

Os quatro arguidos foram assim absolvidos do crime de lenocínio, contudo a decisão é passível de recurso para o Tribunal Constitucional.

Os juízes desembargadores da Relação do Porto defendem que o lenocínio deveria ser punido com uma contraordenação.

Um voto de vencido

“Cremos, seguramente, nesta matéria, que o bem jurídico em causa seria eficazmente acautelado com uma tutela contraordenacional mínima em sede de regulação administrativa da actividade”, defende a Relação do Porto.

Comete crime de lenocínio “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição”, sendo “punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos”, de acordo com o Código Penal.

O tipo legal do crime de lenocínio visa a protecção da liberdade e da autodeterminação sexual da(o) prostituta(o), inserido na parte dos crimes contra a liberdade sexual.

“Não se pode presumir, de forma categórica e inilidível, que quem fomente, favoreça ou facilite a prostituição, ao fazê-lo, pura e simplesmente, põe em risco a liberdade sexual de quem se prostitui”, sustenta o TRP, num dos argumentos apresentados.

Os juízes desembargadores João Pedro Nunes Maldonado e Francisco Mota Ribeiro votaram a favor da inconstitucionalidade do crime de lenocínio, enquanto o juiz desembargador António Gama apresentou voto de vencido, pelo que a decisão não foi unânime.

O acórdão da Relação do Porto faz menção a uma decisão do Tribunal Constitucional, proferida em Dezembro de 2016, que considera constitucional o crime de lenocínio. Na ocasião, três juízes votaram neste sentido, contra dois, sendo que um dos votos contra esta decisão pertenceu ao presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade.

A Relação do Porto discorda do Tribunal Constitucional e dos seus fundamentos. “(...) Assentam em estudos de natureza acientífica, ligados à área dos conhecimentos sociais e empíricos, carecendo de demonstração metódica, organizada e racionalmente interpretada a associação da prostituição a situações de carências sociais elevadas e que qualquer comportamento de fomento favorecimento ou facilitação da prostituição comporta uma exploração da necessidade económica ou social do agente que se prostitui”, frisa o TRP.

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