São consumidores e estão optimistas. Saiba porquê

Segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em Janeiro, o indicador de confiança dos consumidores atingiu o melhor resultado desde Abril de 2000. Já lá vão quase 17 anos.

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Consumidores portugueses estão mais confiantes com a evolução do desemprego e da economia. xx direitos reservados
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Consumidores portugueses não estavam tão confiantes desde 2000. xx direitos reservados

Um “optimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”. Foi assim que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, caracterizou há quase um ano o primeiro-ministro. Em matéria de optimismo, António Costa não parece estar, no entanto, sozinho. Os consumidores portugueses revelam níveis de confiança que só têm paralelo com o que sentiam em 2000, pouco depois de Portugal ter organizado a Expo-98 e com o país a atravessar um período de forte expansão económica.

Ao contrário do que acontece com o optimismo de António Costa, na caracterização feita pelo Presidente da República, o optimismo dos portugueses não é crónico, uma vez que ainda em Dezembro de 2012 registava o seu pior resultado de sempre. Será irritante para alguns, mas não para outros. Mas tem justificação, segundo os economistas ouvidos pelo PÚBLICO, apesar das diferenças entre a situação económica em Portugal em 2000 e a que se vive actualmente.

Segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em Janeiro, o indicador de confiança dos consumidores atingiu o melhor resultado desde Abril de 2000. Já lá vão quase 17 anos. Olhando para alguns dados verifica-se que em 2000 a economia portuguesa cresceu quase 4%, a taxa de desemprego era inferior a 4% e o salário mínimo nacional não chegava a 320 euros. Olhando para a economia hoje, vemos que em 2016 o produto interno bruto (PIB) terá crescido pouco mais de 1%, o desemprego é superior a 11% e em 2017 o salário mínimo subiu para 557 euros.

Optimismo não vem do acaso

Estes números justificam tanto optimismo dos consumidores?

Para os economistas ouvidos pelo PÚBLICO, João Cerejeira, da Universidade do Minho, Paula Carvalho, do BPI, e Rui Bernardes Serra, do Montepio Geral, o optimismo dos consumidores encontra fundamento nos dados económicos, especialmente na descida da taxa de desemprego, mas também nalgum crescimento económico.

Há poucos estudos sobre as determinantes do indicador de confiança dos consumidores para Portugal”, lembra João Cerejeira, adiantando, no entanto, que “a literatura em geral indica três grupos de determinantes: macroeconómicos, financeiros e políticos”. O economista indica mesmo um estudo para o caso português – Esmeralda A. Ramalho, António Caleiro, Andreia Dionísio (publicado em 2011 no Journal of Economic Psychology) – em que se sugere “que a confiança dos consumidores portugueses é essencialmente afectada pela performance económica (ciclo económico) e pelas circunstâncias em termos de ciclo eleitoral. Mais ainda, este estudo mostra que não há uma relação de longo prazo com aquelas determinantes, mas sim de curto prazo”. “Podemos justificar a melhoria da confiança dos consumidores portugueses pela descida acentuada do desemprego e por uma ligeira melhoria dos rendimentos, depois de uma crise económica profunda e prolongada”, explica João Cerejeira.

O economista acentua ainda que, mais do que o nível de desemprego ou de actividade económica, “o mais relevante será a variação pressentida nessas variáveis, ou seja, apesar de o desemprego estar a níveis superiores aos do ano 2000, o que é relevante é a tendência de descida que é apercebida de forma positiva pelos consumidores”. Por outro lado, prossegue, acresce ainda “o facto da estabilidade política conseguida no último ano que poderá ter também contribuído para esta melhoria”.

Paula Carvalho aponta igualmente a evolução das variáveis e não o seu valor absoluto para justificar a melhoria da confiança.

“Esta melhoria justifica-se ou encontra fundamento na melhoria observada no mercado de trabalho, com aumentos sustentados do emprego e redução também sustentada na taxa de desemprego; na lenta reanimação da actividade económica e na manutenção de uma envolvente externa moderadamente favorável”, explica a economista do BPI, adiantando que também a política de rendimentos, “designadamente [no caso de] funcionários públicos e pensionistas”, deverá ter contribuído. Paula Carvalho salienta, todavia, que a leitura do índice em detalhe “sugere que subsistem algumas preocupações relativamente à situação financeira dos agregados familiares, sentimento que acaba por reflectir os desequilíbrios que ainda persistem (endividamento alto) e o facto de a taxa de poupança das famílias estar em valores mínimos históricos”.

Também o economista do Montepio aponta a “melhoria da actividade económica” e “a redução da taxa de desemprego, ao longo dos últimos quatro anos”, para justificar a maior confiança dos consumidores, lembrando que “a taxa de desemprego mensal do INE atingiu um máximo histórico de 17,4% em Janeiro de 2013, tendo descido em Dezembro passado para 10,2%, um nível mínimo desde Março de 2009 (10%)”.

Com base na estrutura do indicador de confiança do consumidor, Rui Bernardes Serra considera que a melhoria do indicador é essencialmente explicada pela evolução do desemprego.

“Comparando a recuperação da confiança dos consumidores entre Janeiro de 2013 e Janeiro de 2017, vemos que cerca de 45% da melhoria se deveu à redução das expectativas de desemprego”, adianta o economista. E sublinha que, “se esta componente tivesse uma variação similar à das demais três componentes, teria sido responsável por apenas 25%” da melhoria do indicador de confiança. Depois, segundo Rui Bernardes Serra, aparecem a explicar o aumento da confiança “as perspectivas relativamente à evolução da economia (32%, também acima da sua quota natural de 25%)”. Já as perspectivas quanto à evolução da situação financeira do agregado familiar apenas foi responsável “por 18% da melhoria da confiança” e as perspectivas de poupança “por 5%”, em ambos os casos “abaixo da quota natural de 25% e espelhando que a recuperação da economia tem sido efectivamente lenta e com impactos ainda relativamente pequenos nas finanças das famílias, restringidos pelo congelamento ou moderação salarial em muitos sectores e pelo agravamento da fiscalidade indirecta em diversos bens e serviços ao longo dos últimos quatro anos em que estiveram no poder dois governos”.

Futuro mais difícil

Mais difícil, segundo os três economistas, será manter este ritmo de melhoria do indicador de confiança para o futuro.

Paula Carvalho lembra que esta é uma perspectiva “bastante incerta”, porque, se, por um lado, “há sinais de aceleração ligeira da actividade económica e continuação da tendência positiva no mercado de trabalho”, por outro, “o futuro parece mais incerto, com alguns factores que geram alguma preocupação”. E nestes factores destacam-se desde logo os da frente externa, “dados os vários actos eleitorais previstos na Europa” a que “acresce a considerável incerteza que ainda persiste relativamente à nova Administração Trump”.

Mas também ao nível interno o futuro reserva incertezas, dado existirem “ainda problemas por resolver no sector bancário e dúvidas relativamente ao processo de redução da dívida pública [portuguesa]”, factores a que se junta também “a perspectiva de que o Banco Central Europeu altere/reduza a sua política de quantitative easing, contribuindo para pressionar em alta os custos de financiamento de Portugal no mercado de dívida pública”.

É neste cenário de incerteza que Rui Bernardes Serra também vê dificuldades para o futuro.O potencial de subida é agora cada vez mais limitado, dado a confiança já estar em máximos de ciclo, devendo continuar a ser suportada, internamente, pela continuação da redução do desemprego e pela aceleração do crescimento da economia projectada para este ano e, externamente, pela ligeira aceleração da economia mundial”. Todavia, prossegue o economista, “a confiança está limitada pela incerteza que o processo do 'Brexit' terá sobre a economia mundial, bem como pelas políticas a seguir pela Administração Trump, que poderão constituir entraves a uma maior aceleração da actividade económica mundial”.

Já o economista João Cerejeira admite que a confiança dos consumidores pode continuar a melhorar, “embora a um ritmo inferior”, uma vez que “a descida no desemprego tenderá a ser menor”. Por outro lado, prossegue o professor da Universidade do Minho, “caso as dificuldades associadas à sustentabilidade da dívida pública impliquem cortes orçamentais, ou algum tipo de plano de ajustamento, é de esperar uma reversão desta tendência”. E, caso “haja algum tipo de instabilidade política, nomeadamente entre os partidos que suportam o Governo, será de esperar que esse facto seja incorporado de forma negativa nos níveis de confiança por parte dos consumidores”.

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