"Vou ser claro: não somos a favor da reversão do princípio da caducidade", diz Vieira da Silva

No debate sobre contratação colectiva pedido pelo PCP, o ministro deitou por terra uma das pretensões de comunistas e bloquistas sobre a caducidade e também sobre o tratamento mais favorável ao trabalhador.

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Vieira da Silva representou o Governo no debae sobre contratação colectiva Miguel Manso

O ministro do Trabalho foi esta sexta-feira de manhã taxativo na posição do Governo sobre a revogação do princípio da caducidade da contratação colectiva, reclamada por PCP e Bloco. "Vou ser claro: nós não somos a favor da reversão do princípio da caducidade." Vieira da Silva arrumava assim as pretensões dos dois partidos que apoiam o Governo e que têm projectos de lei sobre a matéria no Parlamento há quase um ano - e ainda não se sabe quando serão discutidos e votados.

Vieira da Silva, que intervinha no debate de urgência pedido pelo PCP sobre contratação colectiva, subira um pouco antes à tribuna para criticar as decisões dos governos da direita de Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho que levaram à "queda abrupta" dos trabalhadores abrangidos pela contratação colectiva e dos instrumentos publicados, e deixar as portas da negociação abertas.

"Acreditamos na negociação colectiva e estaremos disponíveis para intervir, facilitando o diálogo entre os parceiros. E, caso seja necessário, para tornar mais eficaz e eficiente a legislação laboral", rematara na sua primeira intervenção.

Mas, depois de uma ronda de perguntas dos deputados das várias bancadas, em que PCP, BE e PEV quiseram saber qual é então a abertura do Governo para as suas propostas e a direita tentou colocar a esquerda contra o ministro, José Vieira da Silva teve que ser directo e deitou um balde de água fria nos desejos dos partidos que apoiam o Executivo.

O ministro citou, como também tinham feito os deputados, o último relatório da OCDE sobre o mercado de trabalho, para salientar uma conclusão que melhor encaixa nos seus argumentos. "A OCDE diz claramente que não passou tempo suficiente para avaliar os efeitos das alterações feitas" na legislação laboral na sequência da intervenção da troika, afirmou Vieira da Silva.

O governante recusou qualquer reversão do princípio da caducidade dos contratos colectivos - que permite que uma das partes possa pedir a revogação unilateral - e argumentou que a caducidade "evita a cristalização da contratação durante décadas". Justificou ainda que a moratória introduzida no acordo de concertação social assinado em Dezembro que impede a caducidade durante 18 meses serve para ganhar tempo para procurar melhorar pontualmente a lei. "É uma janela de oportunidade para avaliar o quadro laboral que possuímos."

"Em período de diálogo social, não haver caducidade da contratação colectiva permite aos trabalhadores e sindicatos negociarem num quadro de abertura" para fazer a renovação necessária dessa contratação, justificou o ministro. Vieira da Silva desvalorizou a diabolização que PCP, BE e PEV fazem da caducidade acrescentando que o princípio também existe noutros países da UE e até acrescentou que depois de assinado o acordo de concertação social que contém a moratória não viu "nenhuma central sindical criticar".

À direita, que aproveitara para criticar as divergências latentes na maioria que apoia o Executivo, Vieira da Silva disse estar "absolutamente tranquilo com o trabalho que o Governo tem feito com base na maioria que se expressa no Parlamento e que permitiu repor feriados e iniciar o processo de combate à precariedade". Instigado pelos aplausos da bancada socialista, disse ser "esta maioria que permite que exista em Portugal um clima de negociação e paz social que tem suportado o crescimento do emprego".

Discurso "redondo", ministro avisado

Esta posição de avanço e recuo do ministro - um discurso "redondo", como acusou a direita" - levou a esquerda a fazer avisos directos. "O sr. ministro disse aqui que são precisas algumas alterações à legislação laboral e que esta maioria não pode faltar a estas alterações, mas o Governo não pode faltar a esta maioria nas alterações que é preciso fazer", vincou o bloquista José Soeiro.

A comunista Rita Rato levantou-se para criticar Vieira da Silva: "Não é possível dizer que defendem a contratação colectiva e manter a caducidade." Vincando que a contratação colectiva "não foi oferta de nenhum Governo" mas resultou da luta dos trabalhadores, a deputada avisou que o Governo deve ter "consciência de que essa luta vai continuar a partir de cada local de trabalho", deixando antever a promessa de greves nos sectores onde a contratação colectiva tem ido caducando. "Não podemos permitir que a roda do desenvolvimento continue a andar para trás e o PCP vai bater-se por isso."

Os avisos não ficaram por aqui. O centrista Filipe Anacoreta Correia disse que Vieira da Silva que "está a jogar um jogo perigoso" ao contrariar a esquerda na questão da caducidade. "O sr. só é ministro porque eles o apoiam."

À saída do debate, questionado pelos jornalistas sobre se a indisponibilidade para reverter a caducidade se estendia também à questão do tratamento mais favorável ao trabalhador - que PCP e BE querem repor na lei - o ministro defendeu que não vê "necessidade de introduzir na lei um princípio generalizado de tratamento mais favorável". Acrescentou que ele já existe para alguns sectores e que o Governo considera que a lei tem um "equilíbrio aceitável" nessa matéria, embora admita apenas alguns "ajustamentos". Mas o "debate na Assembleia deve ser sempre precedido de debate na concertação social", realçou.

A contratação colectiva é um instrumento legal que permite, através de contratos colectivos, acordos colectivos ou acordos de empresa, fixar direitos mais favoráveis aos trabalhadores por eles abrangidos do que os consignados no Código do Trabalho. É o caso de melhores condições relativamente ao pagamento de trabalho suplementar e nocturno, pausas, descanso suplementar, subsídios de turno, majoração de dias de férias, feriados e dias de descanso.

A comunista Rita Rato, que abriu o debate, falou nos números da contratação colectiva nos últimos quinze anos para mostrar que antes da introdução do princípio da caducidade, pelo então ministro Bagão Félix em 2003, havia 1,5 milhões de trabalhadores abrangidos pela contratação colectiva; dez anos depois, com outro Governo PSD/CDS, e no tempo do memorando da troika, restavam 241 mil. E deu exemplos das consequências da caducidade, como o da Associação dos Têxteis de Portugal ameaça retirar o subsídio de amas às trabalhadoras têxteis no valor de 50 euros, em salários que rondam o mínimo.

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