Os Tronos de Santo António são "uma pequena Lisboa nas escadinhas"

Quando era pequena, Rita fazia o trono com a mãe. Maria da Conceição enchia-o de “florzinhas” e “papelinhos coloridos” Mas para Rogério foi preciso chegar aos 47 anos para o fazer pela primeira vez. O seu é um dos 204 tronos de Santo António das últimas festas da cidade agora reunidos em livro.

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Os participantes e respectivos tronos: Rita Wengorovius José Frade
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Os participantes e respectivos tronos: Maria da Conceição Vaz (da esquerda para a direita) Rui Cunha
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Os participantes e respectivos tronos: Rogério Oliveira e a mulher, Sónia Oliveira Rui Cunha

A mãe de Rita Wengorovius é artista e a filha artista se tornou. A mãe, que tem “a magia nas mãos”, é artista plástica e foi com ela que Rita fez os primeiros “e muitos” tronos de Santo António, por altura das Festas de Lisboa. No ano passado, aos 43 anos, fez um altar azul e branco sobre o desígnio “o amor é uma arma de futuro”. O trono de Rita é um dos 204 apresentados no livro “Tronos de Santo António 2016”, lançado esta quinta-feira.

A professora de teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema foi uma das mais de duas centenas de lisboetas que, em 2016, aceitaram o desafio da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e do Museu de Lisboa – Santo António que, pelo segundo ano consecutivo, convidou os moradores de 20 freguesias da cidade a decorarem os tronos de Santo António, reavivando a tradição de erguer altares em homenagem a um dos santos padroeiros da capital.

Do Beato ao Lumiar, por Benfica, Parque das Nações e Belém. Dos Bombeiros Voluntários da Ajuda, ao aeroporto, juntas de freguesia, bibliotecas, associações, jardins-de-infância e centros de dia. O livro é um roteiro fotográfico pelas portas, janelas e montras de Lisboa das festas de Junho de 2016, com fotografias de Rui Cunha, José Frade, José Avelar, Sérgio Santos e Ana Catarina Abreu. Os participantes, a título individual ou colectivo, inscreveram-se para receber um trono (pequena estrutura com escadas de madeira) e decorá-lo a gosto.

Rita Wengorovius não participou sozinha. Associou-se ao projecto Fábrica Alcântara Mar promovido pela Junta de Freguesia de Alcântara e o Teatro Umano – do qual é directora artística – e criado no âmbito do programa municipal de parcerias locais BIP ZIP. É nos bairros da Cascalheira e Alvito Velho que Rita e os colegas fazem da “arte um veículo para a inclusão social”. Foram às escolas, aos cafés, às lojas, às farmácias e aos centros de dia. Chamaram todos e foram buscar os seus tronos de Santo António. Rita quis que o seu fosse simbólico, em tons claros, e "abstracto."

Não só queriam “manter a tradição, como enriquecê-la”. Para isso, fizeram workshops na rua, feiras de artes, sessões de formação abertas com artistas plásticos de Alcântara. Foram “teimosos artisticamente.” Decoraram 58 altares.

Rogério Oliveira, dono de um café em Santa Maria Maior, também havia de teimar. Em 2015 tentara, sem sucesso. No ano passado, quando viu uma pessoa a passar com um trono debaixo do braço, apressou-se a ir ao museu buscar o seu. Decorou-o com a mulher: ele juntou as peças, ela foi buscar as noivas. No final, tinham um Santo António, um S. João e um S. Pedro, ladeados por dois grandes manjericos. “Pelos vistos, estava muito bom”. Os clientes gostaram. Quem quer que passasse não deixava de tirar fotos. Esteve à porta do café todo o mês Junho.

Aos 47 anos, esta foi a primeira fez que Rogério decorou o seu próprio trono. “E adorei”, apressa-se a acrescentar. Já sabe como vai decorar o trono deste ano, mas não abre o jogo. A EGEAC, nesta terceira edição, quer elevar a fasquia e distribuir 300 a 400 tronos de Santo António.

“Em miúdos, íamos pedir um tostãozinho”

“Numa era de globalização e de instantaneidade, ainda há espaço e tempo para um reencontro com o passado e, através dele, para redescobrir a cidade e aqueles que a habitam”, escreveu Joana Gomes Cardoso, presidente da EGEAC, a abrir o livro.

Para Maria da Conceição Vaz é disto que se trata: reaviar a tradição e as memórias de infância. "Quando eramos miúdos fazíamos os nossos tronos com caixinhas de papelão com papelinhos às cores. E muitas florzinhas”, recorda. “Depois, saíamos à rua e íamos pedir um tostãozinho para o Santo António.”

A tradição surgiu após o terramoto de 1755, quando começaram os peditórios dos “cinco milreizinhos” para reconstruir a igreja de Santo António. Até ao final da obra em 1787, eram colocados tronos decorados à porta das casas. No século XIX, o pregão passou a ser usado por crianças que pediam dinheiro para as festas. Mas só no século XX se consolidou a presença dos tronos nas festas dos bairros lisboetas. A câmara iniciou então um concurso de tronos.

Agora há um convite, não um concurso. A EGEAC devolveu à cidade a tradição de "ter uma pequena Lisboa nas escadinhas", nas palavras Maria da Conceição. No ano passado, como há dois anos, fez questão de decorar o seu trono: “flores e pombinhos com anéis dos noivos”, a Sé de Lisboa e um Santo António pintado a vermelho. Como tem “pena de o desmanchar”, o altar continua bem visível no seu café, na Madragoa.

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