State of Washington versus Donald J. Trump

Nos EUA, desenrola-se o primeiro round de um combate com impacto mundial.

A ordem executiva de Donald Trump que proibiu a entrada nos EUA de todos os cidadãos do Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen por 90 dias e suspendeu a entrada de refugiados sírios por tempo indeterminado e por 120 dias todos os outros refugiados está a ser palco do primeiro embate da Administração Trump com o poder judicial.

É a primeira oportunidade, nesta nova era, de vermos o funcionamento do famoso sistema de contrapoderes (checks and balances) que tradicionalmente garante o bom funcionamento da democracia norte-americana.

A controversa decisão do Presidente norte -americano foi suspensa por uma decisão de um tribunal federal de 1.ª instância (nos EUA, existem dois sistemas judiciais: o de cada estado com um tribunal supremo estadual no topo e o federal com o Supremo Tribunal dos EUA no topo) na sequência de uma  providência cautelar apresentada pelo procurador-geral do estado de Washington. Segundo o estado de Washington, a ordem executiva de Trump prejudicava significativamente os residentes no seu estado e era uma medida discriminatória em termos de religião, violando a Constituição.

O Presidente norte-americano gostou muito pouco da suspensão da sua ordem executiva e, para além de falar de um “pseudojuiz” (so called judge), recorreu para um tribunal federal superior no qual têm assento três juízes; um deles nomeado pelo presidente Carter, outro por Bush e outro por Obama (nos tribunais federais, os juízes ou são nomeados pelo Presidente ou pelo Congresso; nos tribunais estaduais, varia de estado para estado, podendo  ser nomeados pelo governador ou pela assembleia legislativa estadual, eleitos em eleições partidárias ou não e ainda ser seleccionados por mérito).

A audiência do recurso foi feita pelo telefone entre os três juízes e os advogados da Administração Trump e do estado de Washington, sendo as intervenções orais transmitidas em directo pela CNN. Do lado da Administração, o advogado procurou defender que os poderes legais do Presidente em termos de restrições à entrada de estrangeiros nos EUA são praticamente absolutos e insindicáveis pelos tribunais, o que não caiu muito bem no tribunal. Um dos juízes perguntou-lhe se a ordem executiva fosse “Não entram muçulmanos nos EUA”, se considerava que os tribunais não podiam avaliar a constitucionalidade de tal ordem e revogá-la. Custou-lhe responder, mas admitiu que, nesse caso, haveria espaço para a intervenção dos tribunais.

Defendeu também que o estado de Washington não tinha legitimidade para pedir ao tribunal a suspensão da ordem de Trump, já que só os cidadãos directamente afectados o poderiam fazer, o que também não pareceu colher grande eco nos juízes.  

Do lado do estado de Washington, o procurador-geral defendeu que a ordem executiva era inconstitucional, porque, embora de forma não assumida, a sua intenção era discriminar a religião muçulmana. Consta do processo a entrevista do ex-presidente da Câmara de Nova Iorque Rudy Giuliani, em que este, à pergunta do jornalista se a ordem executiva tinha alguma coisa que ver com religião, respondeu que, quando Trump se referiu pela primeira vez ao assunto, chamou-lhe: “Proibição muçulmana” (Muslim ban). E que Trump o chamara e lhe dissera para criar uma comissão para fazer essa proibição de forma legal.

O advogado da Administração norte-americana, pelo seu lado, ripostou que basear-se em entrevistas mais não era do que estar a querer fazer justiça pelos jornais, o que era inaceitável.

Trump, para choque de muitos, já veio dizer que a audiência foi uma “desgraça”, que os juízes eram políticos e que qualquer estudante do liceu concluiria que o Governo tinha razão e ordenaria, de imediato, o levantamento da suspensão.

Os juízes devem decidir a curto prazo e podem: manter na íntegra a suspensão da ordem executiva, repor em vigor, na íntegra, a ordem executiva, ou repor em vigor, mas de forma restritiva, a ordem executiva, de forma a, por exemplo, a proibição de entrada nos EUA não abranger os cidadãos dos sete países em causa que já tenham visto de entrada ou que já residam nos EUA, podendo, assim, sair e voltar a entrar no país sem problemas.

A decisão que tomarem — provavelmente a reposição com restrições — será de uma enorme importância no duelo de forças que se está a travar nos EUA e no mundo.
 

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