Prémio Nobel para Mário Centeno

Foi o PERES que safou o Mário, que agora declara que saber “o que seria o défice sem as medidas do governo é um exercício estéril, apenas adequado a quem, com défice de aritmética, procura défices que não existem”.

Há duas coisas aborrecidas em política. É aborrecido que um governo adopte políticas erradas. E é aborrecido que ele minta sobre os resultados dessas políticas. O primeiro aborrecimento é próprio da democracia: António Costa fez-se eleger, governa com o apoio dos partidos à sua esquerda, é natural que tome decisões que um liberal, como eu, considere erradas. Já o segundo aborrecimento é de natureza muito distinta, e bem mais grave: não se trata de divergência política, mas de pura e simples desonestidade intelectual. Foi a esta desonestidade intelectual que Mário Centeno recorreu para comentar o relatório da OCDE sobre Portugal. Ninguém se chateou muito com isso, porque estamos todos habituados a engolir patranhas como se fossem interpretações da realidade. Mas interpretações são interpretações. E patranhas são patranhas.

Baseado no argumento de que o défice de 2016 ficará abaixo dos 2,3%, o ministro das Finanças resolveu criticar as várias entidades que ao longo do último ano fizeram previsões pessimistas acerca do défice português. Entre as quais a OCDE. “Todas as instituições internacionais falharam nas suas previsões”, afirmou Mário Centeno. “Mas o seu erro não foram as previsões”, acrescentou ele, já no registo profético de Gonçalo Anes Bandarra. “Foi não compreenderem a essência da política económica do governo; foi não respeitar o esforço das empresas e dos trabalhadores portugueses.” Convém dizer, e redizer as vezes que forem necessárias, que isto é uma maneira extraordinária de olhar para o défice de 2016 e para a bonita arte das previsões económicas. É que a “essência da política económica do governo” consistiu em desfazer toda a estratégia que tinha vendido aos portugueses em 2014, 2015 e no início de 2016: o défice iria baixar com base no crescimento da economia.

As previsões internacionais não falharam. Mário Centeno e António Costa é que foram corrigindo o tiro ao longo da execução orçamental, com base no congelamento do investimento e de um programa de colecta fiscal com amnistia de juros inventado à 25ª hora. Foi o PERES que safou o Mário, que agora declara que saber “o que seria o défice sem as medidas do governo é um exercício estéril, apenas adequado a quem, com défice de aritmética, procura défices que não existem”. Ora, é aqui, nesta frase resvaladiça, que a divergência política escorrega para a desonestidade intelectual. Sim, o défice foi cumprido. Não, o défice não foi cumprido graças à estratégia original do governo. Sim, eu já escrevi isto dez vezes. Não, não me vou cansar de o repetir enquanto o ministro das Finanças e o primeiro-ministro insistirem em vender-nos a mesma aldrabice.

As terríveis “instituições internacionais”, tais como as terríveis instituições nacionais, já agora, porque a UTAO e o Conselho das Finanças Públicas também apanharam por tabela, baseiam as suas previsões nos programas de governo. Mário Centeno prometeu há um ano: “Vou tomar as medidas x e, com o crescimento y, vou chegar ao défice z.” As instituições responderam: “Com as medidas x, o crescimento não vai ser y, e, portanto, o défice não vai ser z.” Ao longo de 2016, confirmou-se que o crescimento não foi y e confirmou-se que as medidas não foram x. Mas como o défice, graças a vários planos B e a medidas extraordinárias, conseguiu ficar em z, Mário Centeno e António Costa dizem: “Incrível! Todos se enganaram menos nós!” Prémio Nobel para Centeno – e já. Não o da Economia, claro, mas o da Tanga.   

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