Uma aldeia mineira que se reergue graças a um museu

No Lousal, já não se extrai pirite das minas, mas a memória permanece e foi fortificada com o aparecimento do centro Ciência Viva no local.

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Na mina do Lousal Mário Cruz
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Na mina do Lousal Mário Cruz
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Vista geral da mina do Lousal Mário Cruz
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Actividades de divulgação científica no centro Ciência Viva do Lousal Mário Cruz

“Já nem tem o cheiro que tinha” – quem o diz é um antigo mineiro da mina do Lousal, encerrada em 1988. José Pacheco, 53 anos, vai descer de novo à mina, onde trabalhou durante seis anos, de 1981 a 1987, mas já sente a ausência da extracção de minério. Depois do Lousal, foi para as minas de Neves Corvo, em Castro Verde, Alentejo, e agora está aposentado. Vai descer de novo 30 metros abaixo da superfície. Coloca um capacete amarelo. “Já faz parte da minha mobília”, pensa alto. Não é o único. Com ele, vão mais de 20 pessoas. Afinal, o centro de Ciência Viva no Lousal organiza visitas à mina já encerrada.

Passa pouco das 13 horas. Mesmo no Inverno, o Alentejo não perdoa. O Sol queima na pequena povoação do concelho de Grândola. Todos põem o capacete, é obrigatório. “A segurança está em primeiro lugar”, avisa Álvaro Pinto, director-executivo do centro Ciência Viva do Lousal.

À medida que o grupo se vai aproximando da Galeria Waldemar, a única galeria da mina visitável, há uma escuridão que cresce. As lanternas nos capacetes foram substituídas pelas luzes de emergência. E mesmo à entrada está santa Bárbara, a padroeira dos mineiros, instalada entre a rocha. José Pacheco olha para ela. Ainda lhe presta devoção, nem que seja a 4 de Dezembro, o dia dos mineiros e das festas no Lousal. Mas a sua atenção passa para o “quadro do ponto”. Todas as minas têm um suporte para as chapas com números. Enquanto houver chapas no quadro do ponto, há alguém na mina. José Pacheco nunca esquece aquele que foi o seu número durante largos anos, o 563. Hoje ficou com o 57.

Já não há carris, nem carrinhos, nem os martelos pesados para extrair a pirite, um composto de enxofre e ferro (um sulfureto de ferro), que podia servir para adubos. Mas a sala onde se guardava a dinamite mantém-se tal e qual como era. Por entre os caminhos de rocha, ninhos de morcegos e umas poças com lama, chega-se ao “chapéu de ferro”, a formação geológica que anunciou, em 1882, ao lavrador Manuel António, a presença de minério. Em 1900, começava a exploração de minério e o crescimento de uma nova povoação.

Mas para Jaime Cruz, antigo electricista da mina, que também desce desta vez às profundezas, aquele “chapéu de ferro” era algo mais. “Lembraste do cemitério de cães aqui, Zé?” “Então não lembro?”, responde José Pacheco. Jaime Cruz, agora de 71 anos, trabalhava na Central Eléctrica, agora Museu Mineiro do Lousal, e trabalhou na mina, durante 20 anos, de 1959 a 1979. Do que se lembra daqueles tempos? “Da miséria.”

Para Jaime Cruz, aquela era a única forma de se empregar e quando começou nem capacetes os mineiros usavam. Depois, foi trabalhar para o porto de Sines. Soube de antemão que a mina do Lousal estava em decadência. A mina encerrou em 1988. O enxofre começava a ser obtido na refinação do petróleo e a extracção de pirite deixou de ser rentável.

Com o fecho da mina, a povoação, que chegou a ter cerca de 5000 habitantes e a mina chegou a empregar 1100 pessoas, ressentiu-se. Actualmente, tem entre 300 a 400 habitantes. “Foi muito triste quando vimos o Lousal encerrar… Era a nossa terra e estavam aqui os postos de trabalho. Isto mexia tudo em torno da mina”, recorda José Pacheco.

“Foi a melhor coisa que aconteceu”

Dez anos depois de a mina encerrar, a Câmara Municipal de Grândola e a Fundação Fréderic Velge revitalizaram o local. Mas é em 2010 que a aldeia ganhou outra vida, instalou-se no edifício que fazia o apoio técnico e científico da mina, o Centro Ciência Viva – Mina de Ciência. “Depois do encerramento da mina, foi a melhor coisa que pôde acontecer ao Lousal”, faz questão de dizer José Pacheco.

Também hoje o geólogo Álvaro Pinto reconhece a importância do centro no Lousal. “É um catalisador de visitas. Imagine uma aldeia com a população actual passar a ter 15 a 17 mil pessoas por ano.” A ciência entrou no Lousal e um ponto forte é o trabalho que desenvolve com as pessoas e a explicação do que foi a recuperação ambiental.

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Exposição Sem Terra não há Carochas no centro Ciência Viva do Lousal Mário Cruz

Já fora da mina, vêem-se várias lagoas coloridas. “É uma forma de tratamento das águas ácidas”, explica Álvaro Pinto. Ao todo são 17 lagoas, ou tanques. As primeiras servem para retirar as partículas em suspensão, as seguintes têm calcário para fazer a correcção do pH das águas ácidas. Depois, a água ainda tem metais e atravessa vários tanques onde existem plantas habituadas a ambientes agressivos e que acumulam os metais. Depois disto, a água pode ser lançada numa ribeira. E são algumas destas lagoas, ora em tons de verde, ora em tons de vermelho, que vemos ao atravessar um passadiço de madeira, de cerca de um quilómetro.

Mas o centro Ciência Viva do Lousal tem mais projectos. Além de fazer parte dos Circuitos de Ciência Viva, agora lançados, este é o ano do museu. “O museu fica na central eléctrica, que está centrado na produção de energia e de ar comprimido, queremos acrescentar a parte social”, diz-nos Álvaro Pinto, frisando que se pretende ainda criar um acervo documental sobre a história da mina. Além disso, há um projecto já pensado: a continuação do percurso da mina, junto à Ribeira de Corona. São necessários entre 300 mil a 400 mil euros para o concretizar.

Por enquanto, quem vier ao centro, além das minas, encontrará um cenário hollywoodesco com tons ferrugem e um comboio parecido com os que chegavam em tempos áureos ao Lousal, vindos de Setúbal e indo de novo para lá. Mas se se for ao centro Ciência Viva, não pode ser numa segunda-feira, o dia em que está encerrado. Caso se queira ir ao interior da mina, isso é de terça-feira a domingo, às 15h no Inverno e às 16h no Verão. Talvez nesses dias se encontre lá uma visitante habitual do centro. É moradora do Lousal e vem ver a fotografia do marido, exposta entre outros mineiros, num ecrã de uma sala no centro.

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