Descentralização: em busca de consenso para uma reforma profunda

Conselho de Concertação Territorial reúne-se para aprovar o puzzle que compõe a descentralização. Os consensos políticos estão a ser negociados. Até o CDS vai a jogo.

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Daniel Rocha
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O consenso político sólido entre partidos parlamentares e entidades representativas do poder local em torno de um modelo de descentralização de poderes e de competências da administração central do Estado é o objectivo que tem levado Eduardo Cabrita, ministro adjunto do primeiro-ministro, a negociar quer no quadro da Assembleia da República quer no dos organismos de representação das autarquias os diplomas que esta quarta-feira são debatidos pelo Conselho de Concertação Territorial.

"Vamos analisar a lei-quadro da descentralização na sequência da posição adoptada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre)", explicou ao PÚBLICO o ministro-adjunto Eduardo Cabrita, acrescentando que também será discutido "o novo modelo de designação das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)". Segundo o ministro adjunto, "a posição do Conselho será tida em conta na versão final a apresentar ao Conselho de Ministros."

Sob o patrocínio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que não se tem poupado a elogiar a reforma e a exigir que ela não falhe, o objectivo do Governo é encontrar soluções que permitam uma aprovação parlamentar de um modelo que represente uma reforma profunda do funcionamento do Estado, aproximando das populações os serviços até agora centralizados.

Puzzle negociado

Estas soluções estão a ser negociadas no quadro parlamentar, com todos os partidos. O consenso com o maior partido da oposição, o PSD, parece encaminhado, pelo menos de acordo com as declarações prestadas ao PÚBLICO por Eduardo Cabrita no final de Janeiro. O PSD já anunciou propostas concretas no que toca à descentralização de competências para os municípios e as negociações prosseguem nos bastidores da Assembleia da República.

Enquanto o Governo aguarda que o CDS apresente a sua proposta – o que será feito em breve, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO -, Eduardo Cabrita tem dialogado também com os partidos da maioria de esquerda. BE e PCP não morrem de amores pelo modelo escolhido, usando como referência o mapa das CCRD, até porque comunistas e bloquistas são adeptos do modelo de regionalização baseado em 12 regiões que foi aprovado pela Assembleia da República há uma década e chumbado em referendo nacional em 1998.

Paralelamente às negociações parlamentares, o ministro adjunto tem negociado com os representantes das autarquias, sobretudo com ANMP e Anafre. Estas duas organizações têm feito o que lhes compete, ou seja, levantado o patamar das exigências de transferências de poderes para as autarquias, mas, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, tudo indica que o consenso pode ser possível também neste patamar.

Deverá ser esse o sentido da reunião do Conselho de Concertação Territorial, órgão de coordenação presidido pelo primeiro-ministro. É de esperar que, com uma outra crítica e com um ou outro contributo, saia fumo branco do conclave composto por membros do Governo, como o ministro adjunto, mas também pelos responsáveis das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, das Comunidades Intermunicipais, das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, da ANMP e da Anafre.

No final deste processo negocial, o Governo aprovará em Conselho de Ministros e enviará à Assembleia da República, até ao fim de Março, um pacote de legislação composto por vários diplomas que constituem o puzzle da reforma descentralizadora do poder.

Um dos diplomas centrais deste pacote é o que revê o funcionamento das CCDR. Aqui, a grande inovação será a da eleição indirecta do presidente por um colégio composto pelos pares que compõem os órgãos eleitos das câmaras e das assembleias municipais da respectiva região, embora a tutela sobre as CCDR se mantenha no Governo.

Mas as CCDR deverão ver ajustamentos nas competências, nomeadamente para elas transitarão os serviços públicos das respectivas regiões, que hoje estão centralizados ministério a ministério.

A caracterização do processo de transferência, área por área e sector por sector, será feita por lei própria para cada. O ministro adjunto já se comprometeu em declarações ao PÚBLICO que estas leis sectoriais serão entregues na Assembleia da República antes de o pacote estar aprovado na sua totalidade.

Outra peça que compõe o puzzle da descentralização é a alteração do sistema de eleição dos presidentes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, que passarão a ser directamente escolhidos pelos eleitores, em simultâneo com as eleições autárquicas.

Fundos de fora

Fundamental será ainda a alteração à Lei das Finanças Locais, com o respectivo reforço de verbas e de obtenção de receita pelas autarquias de modo a poderem responder às exigências das novas competências. É neste domínio que as associações representativas do poder local têm sido mais exigentes, mas até agora o ministro adjunto tem sido escasso em explicações e tem defendido a ideia que, só depois de fixado o desenho das novas competências, será estabelecido o quadro financeiro a aprovar. Há, porém, dúvidas que já foram desfeitas e já se sabe que não haverá transferência da gestão dos fundos estruturais que vêm da União Europeia. Estes continuarão a ser geridos pelo Estado central. Às autarquias e às CCDR apenas caberão competências em função da execução de projectos.

Quanto à transferência de competências, outra peça central desta reforma, será feita através da lei-quadro da descentralização, mas os seus conteúdos totais ainda não foram oficializados publicamente. Ainda assim há contornos que já se conhecem, como o PÚBLICO noticiouAs Comunidades Intermunicipais, as câmaras e em alguns aspectos as freguesias, passarão a ter poderes de gestão mais alargados em áreas de serviço público como a saúde, a educação, a gestão portuária, a segurança e a fiscalização, a gestão do património e a acção social.

Ao nível da edução será feito um alargamento do que já existe. Ou seja, as câmaras passarão a gerir a manutenção e construção dos equipamentos, bem como do pessoal não docente, embora a gestão dos professores continue centralizada. Esta gestão dos equipamentos educativos já está descentralizada em muitos municípios até ao 9.º ano. A novidade é o seu alargamento até ao 12.º ano e a todas as escolas em todos os municípios.

Na saúde, a descentralização passa também pela gestão de equipamentos. Mas a gestão de pessoal mantém-se centralizada. Também aqui é um alargamento do que já existe, uma vez que alguns municípios já têm a seu cargo a construção de centros de saúde. Como o PÚBLICO já noticiou, as câmaras municipais terão o direito de nomear um membro da administração das Unidades Locais de Saúde.

Outra área de competências que será aprofundada é a da acção social. A ideia é exponenciar a proximidade das autarquias em relação às situações de necessidade real.

Também a gestão do património do Estado devoluto passa a ser feito pelas câmaras. Aqui há, porém, uma limitação: os municípios não podem dispor nem vender o património, esta decisão continuará a necessitar da autorização do ministro das Finanças.

A gestão das áreas portuárias é mais uma competência que passa para o poder local, de modo a melhorar a sua coordenação, já que hoje em dia neste domínio cruzam-se várias competências. Também será reforçada a componente municipal da segurança pública. Contudo, por exemplo, a ASAE mantém-se sob tutela do poder central.

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