Campanhas de publicidade com crianças sob investigação

Anúncios para adultos em que se usam crianças estão a ser averiguados pela Direcção-Geral do Consumidor.

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Adriano Miranda

Crianças livres de se sujarem porque existem detergentes para a roupa que limpam tudo; e adultos felizes porque uma marca automóvel lançou um modelo com o qual vão poder divertir-se como quando eram crianças.

Estas mensagens são acompanhadas de imagens de crianças em dois anúncios que passam actualmente nos canais das estações de televisão — RTP, SIC e TVI — e motivaram uma reacção da associação Frente Cívica contra a utilização de crianças para fins publicitários de produtos para adultos. A associação enviou cartas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), à Direcção-Geral do Consumidor (DGC), ao provedor de Justiça, às entidades de protecção dos direitos das crianças, à Assembleia da República, entre outras, e também às três televisões.

A DGC adiantou ao PÚBLICO que está a averiguar estes casos. “No âmbito das suas atribuições, a DGC está a reunir elementos sobre as mensagens publicitárias, tendo aberto processo de averiguações, e actuará nos termos previstos na lei”, disse a directora do organismo, Ana Catarina Fonseca. A responsável explicou que o que está previsto no Código da Publicidade significa que “haverá respeito pela lei quando exista uma relação directa entre a criança e os produtos e serviços divulgados”, ou seja, “quando os produtos ou serviços em questão se destinem a ser utilizados pelos menores ou se enquadrem no seu universo de necessidades, de interesses e atividades”.

É precisamente essa parte da lei que a associação invoca lembrando ainda um parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE), de 2012, que considera que “publicidade que utiliza as crianças como veículo da sua mensagem comercial em qualquer das suas formas” põe em causa “aspectos da dignidade da pessoa humana e dos direitos da criança”.

O CESE é a favor da “proibição genérica da publicidade que usa indevida e abusivamente a imagem de crianças em temas” que não lhe digam directamente respeito.

Também contactada, Luísa Roseira, vogal do conselho regulador da ERC, disse que não é possível ter uma posição definida à partida quando o que se trata é de “publicidade dirigida a adultos”. Explica ainda que cada caso é um caso e que “o conceito é indeterminado e o contexto é importante” para se tomar posição. “A proibição de tudo por si só pode ser perigosa. A liberdade é sempre um bom princípio”, enfatiza.

Para adultos ou crianças?

Para a vogal, a dificuldade começa na definição: “Não é fácil dizer o que é e o que não é publicidade dirigida a adultos.” Dá exemplos: a publicidade de um carro é dirigida aos adultos mas se a marca quiser transmitir a mensagem de que se trata de “um monovolume especialmente concebido para transportar crianças com segurança”, Luísa Roseira não vê que tal coloque um problema. Considera também natural uma publicidade a um detergente mostrar que é eficaz nas situações de maior sujidade e estas estão normalmente relacionadas com crianças. O mesmo não seria possível argumentar com publicidade a bebidas alcoólicas ou preservativos.

Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica, criada em Dezembro de 2016, dirigiu igualmente cartas às administrações das televisões pedindo-lhes que impeçam a divulgação destas campanhas. Ao PÚBLICO, das três televisões, apenas a TVI respondeu, garantindo que “respeita escrupulosamente a lei em vigor, especialmente todas as normas que possam afectar menores em televisão”.

Os casos agora suscitados dizem respeito à Unilever, sendo um dos anúncios a um detergente comercializado por este grupo — que não respondeu às questões do PÚBLICO — e à BMW.

“A campanha referida pela associação é uma campanha internacional que foi adaptada ao mercado nacional (...). Nesta campanha, as crianças não são os intervenientes principais da mensagem publicitária. (...) A imagem das crianças a brincar na rua surge como reforço à mensagem principal da campanha: ‘Há quanto tempo não se diverte assim?’”, explica João Trincheiras do Grupo BMW. “As crianças surgem como evocação do tempo feliz da infância”, reforça, antes de concluir: “Não existe aqui qualquer tipo de aproveitamento ilegal das imagens das crianças.”     

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