Madeira quer extinguir cargo de Representante da República

A proposta defendida pela bancada laranja quer também uma clarificação nos princípios de solidariedade, coesão e continuidade territorial (“não estão a ser cumpridos”) em matérias regionalizadas, como a Saúde e a Educação.

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miguel manso

A criação de um sistema fiscal próprio, extinção da figura de Representante da República e o reforço das competências legislativas do parlamento regional estão na agenda da Assembleia Legislativa da Madeira que começou esta semana a trabalhar na revisão do Estatuto Político-Administrativo, uma espécie de constituição da região autónoma, num processo desencadeado pela bancada social-democrata.

A proposta do PSD-Madeira engloba alterações que terão de ser acomodadas numa futura revisão constitucional, e o partido está convicto que esse processo, mesmo que sendo exclusivamente para enquadrar as questões autonómicas, faz todo o sentido, até porque os Açores iniciaram também uma reflexão sobre a autonomia.

Mas, mais importante do que os timings de uma futura alteração da Constituição, garante o PSD, é reunir consensos no parlamento madeirense, beneficiando depois da geografia partidária que existe actualmente em São Bento.

“Mais importante do que estabelecer um prazo é gerar um diálogo alargado, com vista a alcançar uma convergência positiva, quer entre as forças políticas representadas na Assembleia Legislativa da Madeira, quer na Assembleia da República”, notou ao PÚBLICO, o presidente do PSD-Madeira, Miguel Albuquerque.

Para tal, foram retomados os trabalhos da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, que reuniu já esta semana para discutir a metodologia dos trabalhos. Todos os partidos com assento parlamentar apresentaram propostas, algumas consensuais, e serão estes artigos que deverão começar a ser debatidas. As reuniões serão quinzenais, com a próxima marcada para 17 de Fevereiro.

O processo, aparentemente convergente, não arrancou sem alguma crispação política. O método, através de uma conferência de imprensa, como o PSD apresentou o projecto colidiu com a expectativa do PS, que considera extemporânea na forma e no calendário, tendo em conta que estamos em ano de autárquicas. Também o Bloco de Esquerda não gostou de ver propostas suas plasmadas no texto apresentado pelos deputados social-democratas.

Albuquerque desvaloriza. “O processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo está a seguir um modelo o mais aberto e inclusivo possível. Os partidos apresentaram as suas propostas e a Comissão de Reforma do Sistema Político, desencadeará agora um amplo diálogo”, argumenta, dizendo que o PSD apresentou a proposta no prazo definido.

O líder dos sociais-democratas madeirenses e presidente do governo regional, também não compreende as críticas quanto à existência de propostas de outros partidos no documento apresentado. “Se existem propostas coincidentes, vejo isso como um importante sinal de convergência, e ainda bem que assim é uma vez que o nosso propósito é o de uma boa proposta do parlamento da Madeira”, argumenta lembrando que no último ano passaram pela Comissão de Reforma do Sistema Político diversas personalidades, de “diferentes posicionamentos ideológicos”, que contribuíram para o debate em torno da evolução da autonomia.

Já os socialistas olham para o início do processo com desconfiança. “É uma falsa partida”, sintetiza Carlos Pereira, que lidera o PS-Madeira. “Em ano de autárquicas, o timing escolhido está completamente errado”, explica, considerando um erro reunir no mesmo documento alterações ao Estatuto, reforma da Lei Eleitoral e artigos que obrigam a uma revisão constitucional. “Quando se junta tudo isto, a possibilidade de insucesso é enorme”, avisa, ressalvando que o PS irá, dentro de um quadro de responsabilidade, contribuir para consensos e apoiar em Lisboa, a proposta que sair do parlamento madeirense.

E que proposta será essa? Para já, existem convergências em algumas matérias. A criação de um sistema fiscal próprio é uma delas, embora a oposição reclame que se esgote primeiro o diferencial de 30% sobre as taxas nacionais, mas o artigo é praticamente consensual. “No plano fiscal, a criação de um Sistema Fiscal Regional, que permita a região adaptar, isentar ou excluir a aplicação dos impostos nacionais com base na realidade económica regional”, explica Miguel Albuquerque, que pretende que o ‘novo’ Estatuto “reforce e clarifique” os poderes legislativos do parlamento madeirense, através do ‘Princípio do Primado do Direito Regional’.

Este princípio, aliado ao conceito de ‘Autonomia Progressiva, estabelece que o acervo normativo regional prevalece sobre as normas dos competentes dos órgãos nacionais nas condições fixadas pela Constituição. Uma forma do Funchal defender-se de eventuais apreciações negativas do Tribunal Constitucional sobre matéria legislativa regional.

Consensual é também a limitação de três mandatos consecutivos para o presidente do Governo Regional, como já acontece nos Açores, a criação de um registo de interesses para os detentores de cargos públicos e a adopção de um regime de incompatibilidades e impedimentos para deputados e governantes, em linha do que existe no resto do país.

Também a extinção do cargo de Representante da República – igualmente defendida nos Açores – é convergente. “Pretendemos o fim do Representante da República. Não aceitamos intermediários ou tutelas. Queremos que o Presidente da República seja directamente o Presidente de todos os portugueses”, sublinha Miguel Albuquerque.

A proposta defendida pela bancada laranja – que Albuquerque vinca não estar fechada – quer também uma clarificação nos princípios de solidariedade, coesão e continuidade territorial (“não estão a ser cumpridos”) em matérias regionalizadas, como a Saúde e a Educação.

“Defendemos também o reforço das competências legislativas em variadas áreas, como por exemplo o domínio público marítimo e aéreo, plataforma continental e a instituição de um círculo eleitoral quer para o Parlamento Europeu quer para a Emigração”, acrescenta.

O Estatuto Político-Administrativo actual data de 2000, enquanto o dos Açores foi revisto em 2009. “Após 40 anos da autonomia, julgamos ser este o momento certo para reflectir, apresentar e defender novos caminhos para a nossa região, pois não nos podemos resignar com os actuais limites estatutários e constitucionais que nos impedem de alcançar um patamar desejável do nosso desenvolvimento económico e social”, sintetiza o líder social-democrata.

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