As universidades chamaram os seniores e eles estão a entrar nas salas de aula

São cerca de 900 os inscritos nos cursos para o público mais velho e nos últimos dois anos o número tem aumentado. Frequentam cadeiras das licenciaturas ou cursos sobre alimentação e artes.

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Investigadores dizem que a frequência destes cursos tem um impacto positivo na saúde mental Nelson Garrido

É uma tendência recente no ensino superior nacional, mas nos últimos dois anos esteve sempre em crescimento: as universidades e institutos politécnicos desenharam programas direccionados para o público sénior. São seis as instituições que disponibilizam este tipo de oferta e, ainda que o número de inscritos seja ainda relativamente baixo, com cerca de 900 alunos, o total cresceu 8,6% nos dois últimos anos lectivos. O regresso dos mais velhos às salas de aulas tem vantagens para a sua saúde, mas também para o convívio entre gerações, avaliam os especialistas.

O PÚBLICO contactou todas as instituições de ensino superior públicas e 11 universidades privadas (as que têm mais alunos inscritos no ensino regular) e encontrou seis casos em que existem ofertas direccionadas para seniores. Quatro deles estão no sector do Estado (as universidades de Évora e Açores e os politécnicos de Leiria e Viana do Castelo) e dois no particular (a Católica do Porto e a Lusófona, em Lisboa).

O modelo de funcionamento das diferentes universidades é distinto. No caso do Politécnico de Leiria, os seniores escolhem disciplinas de licenciaturas da instituição. No Politécnico de Viana do Castelo os alunos optam por três disciplinas entre um cardápio de opções teóricas e práticas. Mas há programas fechados como o da Academia Sénior da Universidade dos Açores, que define anualmente o seu programa em função dos inscritos. Este ano oferece oito cursos sobre temas que vão da alimentação saudável, ao envelhecimento, passando por Fernando Pessoa e os dialetos açorianos. Já a Universidade Católica tem um único plano (Artes, Culturas e Humanismo, que inclui quatro disciplinas e quatro cursos breves) e a Universidade Lusófona que tem formações em três áreas: Artes, Humanidade e  Estilo de Vida Ativo, Desenvolvimento e Bem-estar. 

Os dados recolhidos permitem também perceber que o sector regista um crescimento sobretudo nos últimos dois anos. Nesse período, duas novas instituições passaram a disponibilizar oferta para seniores (Açores e Lusófona). Além disso, a Universidade Popular Túlio Espanca, ligada à Universidade de Évora, abriu um novo polo para responder ao aumento da procura. Também no mesmo intervalo temporal, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo registou o maior aumento de sempre no número de inscrições, multiplicando praticamente por três o número de novos alunos (25 contra os 9 do ano anterior).

Inscrições ainda abertas neste ano lectivo

Conseguir dados de inscritos que sejam comparáveis para analisar as tendências dos números de inscritos é uma das dificuldades quando se pretende fazer uma análise desta oferta do ensino superior. Os números conhecidos permitem, porém, perceber um crescimento de 8,6% no total de alunos nestas ofertas para seniores entre os anos lectivos de 2014/15 e 2015/16. No presente ano lectivo, ainda com as inscrições abertas na generalidade das instituições de ensino superior, o total de inscritos (237) já ultrapassa o registado há dois anos (230), devendo ainda ultrapassar os 250 totalizados no último ano.

Estes números dizem, porém, apenas respeito a quatro instituições. A Universidade Lusófona lançou apenas a oferta no ano passado e ainda não disponibilizou dados. No caso da Universidade de Évora a realidade é distinta: a única vez que a instituição fez uma contabilização do número de inscritos foi em Outubro de 2016, quando tinha mais de 1000 pessoas a frequentar as diferentes opções de formação nos seus seis polos (três na cidade de Évora, e ainda em Alandroal, Portel e Viana do Alentejo).

Deste milhar de inscritos, nem todos são idosos, uma vez que uma das marcas que distingue esta oferta é o facto de ser intergeracional. Os mais velhos representam cerca de dois terços (cerca 660) do total, segundo os seus responsáveis. Ou seja, em serão cerca de 900 os idosos inscritos nestes programas do ensino superior em todo o país.

“Temos crescido muito nos últimos anos”, afiança Bravo Nico, professor de Ciências da Educação na Universidade de Évora, que coordena a Universidade Popular Túlio Espanca – cujo nome homenageia o escritor e historiador de arte alentejano. Além de cruzar gerações, esta universidade quer também ser abrangente do ponto de vista geográfico, mas também quanto à origem socio-económica dos seus inscritos. “É a nossa matriz de educação popular. Queremos juntar os saberes todos”.

Alunos com estatuto económico mais elevado

Um dos grandes temas de debate entre os especialistas em aprendizagem na terceira idade em termos internacionais é precisamente o facto de modelos como os da oferta para seniores no ensino superior ou as mais tradicionais universidades para a terceira idade tocarem sobretudo um “público privilegiado”, de um estatuto sócio-económico mais elevado e maior formação anterior. “Isso é particularmente pesado em Portugal, tendo em conta o nosso passado de analfabetismo, que ainda atinge boa parte da população mais velha”, analisa a investigadora do Instituto de Educação da Universidade do Minho, Esmeraldina Veloso.

Os seis exemplos nacionais têm preços bastante diversos: enquanto a Universidade Popular Túlio Espanca é gratuita, o programa da Católica do Porto custa 960 euros anuais. A maioria dos preços anda, porém, na casa dos 100 a 200 euros por ano.

Esmeraldina Veloso considera que “há ganhos a vários níveis para as pessoas idosas” na frequência deste tipo de ofertas, que conseguem manter a actividade cognitiva, refazer redes de sociabilidade. A frequência de academias ou universidades seniores têm ainda um impacto positivo na saúde mental.

A estas vantagens, Sibila Marques, do Centro de Investigação e de Intervenção Social do ISCTE, junta uma outra: “promove-se a coesão intergeracional”. “Vivemos numa cidade muito segregada por idades. Os grupos etários acabam por não estar muito ligados a não ser em contexto social”, analisa a investigadora que tem trabalhado o tema das discriminações relacionadas com a idade, quer sobre idosos quer sobre jovens.

Tal como no caso da universidade popular de Évora, o programa IPL60+, criado em 2008 pelo Instituto Politécnico de Leiria, também nasceu para “colocar em contacto, dentro e fora da sala de aula, estudantes jovens e estudantes seniores”, explica Luísa Pimental, que coordena aquela iniciativa. O caso de Leiria é o único em que os estudantes seniores têm aulas juntamente com os alunos mais novos das licenciaturas. Os estudantes seniores inscrevem-se em disciplinas que fazem parte das licenciaturas da instituição, podendo mesmo submeter-se a avaliação, caso desejem.

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