Papas de sardinha

O chef Bertílio Gomes inspirou-se nas raízes da sua família e nos ensinamentos que lhe foram transmitidos, para confeccionar uma receita típica do Algarve. Utilizando como principais produtos o milho e a sardinha, preparou um prato tradicional que junta a terra e o mar, as duas grandes fontes de recursos da região.

Uma das descrições de paisagens sonoras mais comuns do Barrocal Algarvio é o som das mós dos moinhos de mão. Dizem que se chegava a uma aldeia e era possível ouvir os moinhos todos ao mesmo tempo e que era um som incrível. A verdade é que quase toda a gente tinha um desses moinhos em casa, o que demonstra a importância do milho e das papas para os algarvios e, contrariamente ao que se possa pensar, não eram apenas as classes mais baixas que os utilizavam para fazer as famosas papas, mais tarde conhecidas por xarém, mas também as mais ricas. O milho era bastante comum no Algarve e bem mais fácil de encontrar do que noutros sítios, por uma razão que deita abaixo muitos mitos.

No início do século XVII explode na Europa uma doença grave conhecida por pelagra, que dizimou muita gente na Europa. Durante centenas de anos a pelagra esteve relacionada com o consumo de milho - nos EUA ela aparece ao mesmo tempo que o cereal e torna-se epidémica. Muito mais tarde vem-se a perceber que afinal a pelagra era o resultado da ausência de niacina, uma das vitaminas do complexo B. Ora, porque é que os índios da América Latina nunca tiveram problemas com a doença? O milho possui quantidades razoáveis de niacitina, uma forma de niacina não assimilável pelo corpo humano, conjugada com açúcares e proteínas. Um tratamento alcalino do milho é capaz de remover esses açúcares e proteínas ligados à niacina. Os índios ferviam ou ferventavam o milho numa mistura de água e cinzas - a cinza em água forma uma solução alcalina que é capaz de converter a niacitina em niacina, criando um processo chamado de nixtamalização.

O milho veio para a Europa mas a nixtamalização não chegou cá da mesma forma. Acontece que no Algarve chegou e desde há muito tempo que se ferventam os milhos para lhes tirar os olhos. Assim, enquanto a pelagra dizimava em muitos continentes, o Algarve produzia e consumia bastante milho. Esse processo primitivo permitia que o alimento produzisse a vitamina e, por isso mesmo, era muito mais fácil encontrar milho no Algarve que em muitos lugares da América, resistindo à nixtamalização que consideravam um processo primitivo e de “bárbaros”.

 

Receita

Ingredientes

300 gr de Xerém de moagem média
16 Sardinhas médias
3 dl Azeite
3 Dentes de alho
1 Molho de oregãos
QB flor de sal
200 gr Cebola
500 gr Tomate maduro

Preparação

Para a fritada de tomate, cortar a cebola em cubos, colocar numa frigideira com 1 dl de azeite. Quando estiver loura, juntar o tomate maduro picado, limpo de peles e sementes, deixar cozinhar lentamente para ganhar apuro, durante 40 minutos. Rectificar de sal. Escamar e retirar os lombos das sardinhas, temperar os lombos com flor de sal e reservar. Limpar as espinhas e abrir as cabeças, temperar de sal, passar pelo xerém que não se utiliza nas papas, por forma a ficarem panadas, e fritar em azeite quente. Colocar em papel para absorver o excesso de gordura. Colocar as tripas das sardinhas num tacho com os dentes de alho esmagados, os oregãos e o azeite e levar ao lume no mínimo, para que cozinhe e infusione o azeite. Passar por um passador de forma a filtrar o azeite aromatizado. Para a confecção das papas, envolver 200 gr de xerém com 1 l de água e levar ao lume. Juntar um fio de azeite infusionado e sal, sempre a mexer para não formarem grumos. São cerca de 20 a 30 minutos a cozer dependendo da moagem do milho. Depois de as papas estarem cozinhadas, coloca-se a fritada de tomate por cima e dispõem-se os lombos de sardinhas para que cozinhem com o calor das papas. Servir as papas com os lombos e as espinhas e cabeças fritas e estaladiças.

Chef: Bertílio Gomes
Local: Chapitô à Mesa
Região:Lisboa
Azeite Olival dos Arrifes
Vinho Esporão Reserva Branco 2014
Receita inspirada nos ensimanetos de Matilde Romão

 

Direcção Artística:
Tiago Pereira
Consultoria:
André Magalhães
Esporão:
Filipe Caetano, Catarina Santos, Afonso Sousa e António Roquette

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