Este é o modelo do “desenrascanço à portuguesa”

A passagem de componentes da gestão das áreas protegidas para outras entidades é uma forma de resolver a falta de meios com que o ICNF se debate há anos. É um “chutar do problema” com riscos para a conservação da natureza, dizem os ambientalistas.

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O modelo proposto pelo Ministério do Ambiente vai ser testado no Tejo Internacional SERGIO AZENHA

Numa coisa todos concordam: como está não dá para continuar. Há anos que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) vem perdendo recursos e a sua capacidade de intervenção é cada vez mais reduzida até porque, com a integração das florestas, as suas competências se alargaram. Assim como, sublinham os ambientalistas, é fundamental envolver as autarquias e as organizações não-governamentais na gestão destas áreas por uma questão de proximidade. Mas devagar, testando-se o modelo em áreas de reduzida dimensão, debatendo-se com todos os parceiros, clarificando-se competências. Nada do que está a ser feito, acusam.

“O Estado, em vez de preparar a descentralização com tempo, assente em estudos amplamente discutidos, faz outra coisa: há um problema – e no caso é a falta de pessoal no Tejo Internacional, assim como em quase todas as outras áreas – e a solução é empurrá-lo com a barriga para as autarquias”, diz Paulo Lucas, da associação Zero. “É o velho desenrascanço à portuguesa”, acrescenta.

A participação das câmaras na gestão dos parques não é uma novidade. Cada uma das 25 áreas nacionais tinha, até 2007, uma comissão executiva onde as autarquias tinham assento sob presidência do ICN. Mas, com a falta de meios, decidiu-se que as áreas seriam agregadas em grupos de cinco e geridas por um único director. Daí até aqui, o caminho tem sido sempre a descer: menos recursos, mais atribuições, um peso imenso da burocracia e quadros desmotivados.

“O modelo faliu”, não tem dúvidas Helena Freitas, da Universidade de Coimbra e que recentemente elaborou o Programa Nacional para a Coesão Territorial. “É preciso aproximar a gestão destas áreas do poder local mas não podemos passar do 8 para o 80 e abrir a porta a facilitismos”. Os conflitos entre os interesses da conservação da natureza e outro tipo de interesses a que as câmaras estão mais sensíveis irão continuar a existir. O que deixa a dúvida: “Quem irá ser o juiz?”, pergunta a professora.

Por princípio, a associação Zero não vê com bons olhos a municipalização de áreas protegidas com valores naturais importantes tanto a nível nacional como internacional. É o caso do Gerês, da Arrábida, do Sudoeste Alentejano ou do Estuário do Tejo, para citar alguns. Mas admitem que se testem novos modelos, como este, em áreas mais pequenas, como S. Jacinto, o Paul do Boquilobo ou as Lagoas de Santo André e Sancha. “Depois faz-se uma avaliação dos resultados e avalia-se a sua replicação… mas devagar”, sublinha Paulo Lucas. Até porque há atribuições do ICNF que podem passar para as autarquias sem sobressaltos, defende o ambientalista, como a abertura de uma janela, a construção de uma casa-de-banho, questões urbanísticas para as quais as câmaras têm competência e que hoje paralisam o instituto.

Na resposta dada pelo Ministério do Ambiente ao PCP e BE, o Governo insiste que não se trata de uma municipalização mas antes de “deixar a cargo dos municípios algumas das vertentes desta gestão”, concretamente o que tem a ver com a parte social, cultural e económica, mantendo-se no ICNF o que diz respeito à conservação da natureza. Como balizas do caso-piloto em que se testará o modelo, o Parque Natural do Tejo Internacional, o Ministério aponta, entre outros, o respectivo Plano de Ordenamento que define os usos dos espaços. Mas, diz a experiência, há sempre temas de conflito: a abertura de uma estrada, a intensificação turística, a expansão de uma fábrica, entre muitos outros, são casos que podem entrar em choque com a preservação das espécies e habitats. Novamente: quem é o juiz, perguntam os ambientalistas.

Segundo o PCP, serão as autarquias que presidirão ao órgão de gestão deste novo modelo. Caberá a elas a última palavra? “Há interesses divergentes, as autarquias não têm meios técnicos para tomar decisões sobre habitats, muitas áreas abrangem vários municípios que têm, cada um, as suas prioridades e expectativas – não funciona, são muitas entidades em que cada uma puxa para o seu lado … e isto pode correr mesmo muito mal”, receia Paulo Lucas.

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