Por uma ‘autoridade” credível e eficaz

Com três meses de atraso, a Assembleia da República vai provavelmente nomear por estes dias os novos membros da ERC. Depois de manobras nada prestigiantes e promissoras de operacionalidade para a instituição…

O balanço do último (…e ainda atual) Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social não é muito positivo. Sobretudo porque a sua atitude global perante o que aconteceu de menos glorioso nos médias se caracterizou largamente pela indiferença e a inação. Mas as atuais manobras destinadas a nomear os novos membros estão longe de estar marcadas prioritariamente por critérios de independência e competência. Até porque são as considerações de maior ou menor alinhamento com as posições dos dois principais partidos do “centrão” que são manifestamente dominantes.

Este lado profundamente insatisfatório e claramente partidarístico é fruto mesmo do “processo de designação”. Com efeito, como estipula o artigo 15° dos Estatutos da ERC, “a Assembleia de República designa quatro dos membros do conselho regulador, por resolução”. Por seu lado, o artigo 16° diz que se consideram eleitos os candidatos que obtiverem “o voto de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções”. Enquanto o artigo 17º  prevê que estes quatro membros procedem “à cooptação do quinto membro do conselho regulador”.

Desde logo, e como tem sido o caso desde que a ERC foi criada em 2005, estão largamente abertas as portas para todos os entendimentos possíveis entre o PS e o PSD, e de facto unicamente entre estes dois partidos. E a “cultura política” sendo o que é em Portugal, os dois partidos do “centrão” entendem que devem propor para a ERC gente que faça parte das suas hostes, oficial ou oficiosamente. Distribuindo assim prebendas a quem se espera seja, na devida altura, compreensivo em relação a estas formações pilares do sistema político ou que, pelo menos, não lhes compliquem demasiado a vida…

Torna-se pois desejável proceder a uma nova concepção da ERC procedendo a um alargamento do Conselho Regulador com membros designados em duas etapas sucessivas. Numa primeira etapa, uma série de organismos representativos das profissões estreitamente ligados à atividade dos média designariam cada um três candidatos. Entre os organismos que teriam o direito e o dever de propor estes candidatos teríamos os representativos dos jornalistas, dos atores de cinema e teatro, dos autores, produtores e realizadores de conteúdos mediáticos, das empresas de edição, radiotelevisão e telecomunicações (candidatos que não poderiam no entanto ser funcionários destes organismos). Aos quais viriam acrescentar-se três representantes de competência indiscutível em matéria mediática por parte do mundo académico (universidades e institutos politécnicos).

Num segundo tempo, a lista de todos os candidatos seria submetida ao presidente da República que escolheria três nomes, depois ao presidente da Assembleia da República que escolheria mais três e finalmente ao primeiro- ministro que escolheria os últimos três. In fine, o Presidente da República designaria o presidente do novo Conselho Regulador entre os nove novos membros.

Não parece ilusório poder esperar-se que, postos assim publicamente perante as suas responsabilidades, os organismos legalmente instituídos para procederem à primeira etapa desta operação tenham a preocupação de propor nomes de indiscutível competência e idoneidade. Enquanto que as altas funções assumidas pelas três individualidades incumbidas da seleção final as levariam democraticamente a exercer o direito de escolha em função do mérito profissional e do espírito de independência dos futuros eleitos.

Esta dupla etapa de seleção dos membros do Conselho Regulador da ERC permitiria uma muito maior transparência do processo e teria grandes probabilidades de eliminar a partidarite aguda do centrão. Partidarite que leva os dois maiores partidos a escolherem e elegerem soberanamente os seus candidatos, sem tomarem em consideração as outras sensibilidades com assento na Assembleia da República e nem sequer lhes prestarem contas. Partidarite que domina genética e endemicamente o processo atual, nada glorioso num país que, no entanto, se quer democrático e pluralista…

Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles

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