A alternativa à austeridade do Norte chega desmoralizada e sem poder

A cimeira dos países do Sul junta os poucos chefes de Estado e de Governo de esquerda europeia. Com excepção de António Costa, nenhum pode respirar de alívio.

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François Hollande abandona o poder em França como o Presidente mais impopular das últimas décadas Reuters/JACKY NAEGELEN

A Lisboa chegam muito fragilizados os principais líderes europeus da esquerda e do centro-esquerda, que até há pouco tempo prometiam protagonizar uma alternativa aos programas de aplicação ortodoxa das medidas de austeridade. Um está prestes a abandonar o poder pela porta pequena, outro tem visto a sua governação esmagada pelos sucessivos programas de ajustamento e o mais recente tem um papel interino pouco decisivo.

O discurso do Presidente francês, François Hollande, a 1 de Dezembro, a anunciar que não se recandidatava à presidência, cristaliza o sentimento de decepção que marca os seus cinco anos no Palácio do Eliseu. Hollande foi eleito em 2012 como o “homem normal” que se propunha a dizer não à austeridade promovida por Berlim. O seu mandato é, porém, marcado pela aprovação de algumas das reformas mais violentas na área laboral, virando contra si praticamente todos os sindicatos. O resultado: a direita não passou a apoiá-lo e a esquerda que o elegeu abandonou-o.

No discurso de 1 de Dezembro, reconhece de forma tão profunda que falhou que diz temer que uma campanha de recandidatura se torne um “risco” para os socialistas franceses. Hollande, o mais impopular Presidente da Quinta República, chega a Lisboa com um pé fora do poder, o Partido Socialista totalmente dividido e com a ameaça da Frente Nacional.

Na Grécia, cinco anos da mais dura austeridade levaram a um grito de revolta que se traduziu na chegada do Syriza ao poder. Dois anos depois, a pressão dos credores internacionais voltou a impor-se, deixando ao primeiro-ministro, Alexis Tsipras, uma margem de manobra muito reduzida. As privatizações, às quais o Syriza se opunha na oposição, regressaram, com a venda da empresa ferroviária e da companhia de fornecimento de água. Pelo caminho vão sendo afastados os ministros críticos da deriva do partido da esquerda radical.

Apesar de todos os esforços, não há qualquer garantia de que a Grécia seja poupada a mais doses de austeridade este ano. O FMI ainda não decidiu se participa no terceiro programa de resgate e duvida do cumprimento das metas do Governo de Atenas, que aponta para um défice de 3,5% do PIB.

Em 2014, Matteo Renzi irrompeu pela paisagem política italiana como um vendaval que prometia não deixar pedra sobre pedra. Conquistou o Partido Democrático contra os sectores afectos aos sindicatos, prometendo uma governação reformista, mas à esquerda. A partir do Palácio Chigi, a sua ofensiva fazia-se agora contra a ortodoxia de Berlim. E chegou a consegui-lo durante os três anos em que esteve à frente do Governo italiano, em que disse recusar receber “lições” da Alemanha sobre política orçamental.

Mas Renzi não sobreviveu à montanha-russa devoradora de governos que é a política italiana. O seu ímpeto reformista foi derrotado no referendo de Novembro à reforma do sistema político — e Renzi viu-se obrigado a deixar o Governo. Entrou Paolo Gentiloni, o ministro dos Negócios Estrangeiros, muito próximo de Renzi, para liderar um Governo a prazo. Chega a Lisboa como um líder de transição, com pouco poder real. O chumbo da lei eleitoral pelo Tribunal Constitucional esta semana deverá obrigar à marcação de eleições legislativas ainda este ano. Os populistas eurocépticos do Movimento 5 Estrelas e a extrema-direita da Liga Norte apresentam-se como as maiores preocupações para o PD, onde Renzi voltará a ser o protagonista.

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