Uma grande América

Com Trump chegam à Casa Branca as forças mais reacionárias da América, que não escondem a simpatia pelas teorias da pureza racial, despertando demónios que deveriam estar já enterrados há muito tempo.

Um presidente dos EUA, seja Democrata ou Republicano, tem a obrigação de ser humilde. Não se pode exigir menos à maior potência mundial económica e militarmente. E a maior potência não se pode alhear do que se passa no mundo, sendo sua obrigação agir com  justiça e preocupação na defesa dos Direitos Humanos, da democracia e do Estado de Direito.

Com a tomada de posse do 45º Presidente dos Estados Unidos, são imensas as interrogações, internas e externas, bastando considerar tão só o slogan “Tornar de novo a América grande”, que Donald Trump utilizou na campanha e repetiu com ênfase na investidura. “Grande” para quem e com que custos?

Nenhum país pode ser grande se procurar a sua afirmação contra outras nações, se não respeitar a diversidade do seu povo, se não defender os valores da democracia e do Estado de Direito, onde se inclui a liberdade de imprensa, se não contribuir para o equilíbrio geoestratégico global e para o bom funcionamento das instituições multilaterais que constituem os pilares da ordem mundial, se não for ponderado na negociação dos acordos comerciais que os EUA têm com outras regiões do globo.

O problema é que nenhum destes equilíbrios parece estar seguro e garantido com Trump. Pelo contrário, instituições fundamentais para alguma ética global, de apoio aos equilíbrios do e no planeta e ação dissuasora a nível militar, como as Nações Unidas e a NATO, correm sérios riscos de serem enfraquecidas, o que é preocupante no atual estado de desordem, imprevisibilidade e ameaça difusa do terrorismo. Deixar o mundo em roda livre quando tantos pequenos e grandes ditadores estão ansiosos por conquistar poder e alargar as suas fronteiras é um cenário cada vez mais presente e com elevado potencial destrutivo.

O lema “A América primeiro”, não vai devolver grandeza aos EUA. Vai torná-los mais pequenos e detestados dentro e fora do país e potenciar tensões, conflitos e a incerteza. É inqualificável que Trump tenha anulado à bruta o extraordinário legado da presidência de Barack Obama, tanto na recuperação da economia, na criação de empregos e aumento da justiça social, como no que respeita à tentativa de correção de alguns problemas difíceis que existem no mundo, como as relações com o Irão, o conflito israelo-palestiniano ou o bloqueio a Cuba.

Ao contrário do que quer dar a entender, mais do que fervor patriótico, Trump tem acima de tudo mostrado o mais básico dos nacionalismos e populismos. Se fosse verdadeiramente patriota, jamais poderia tolerar o ataque à soberania da América que foi a intromissão da Rússia na campanha eleitoral, ainda por cima tratando-se do seu rival histórico, que se tem afirmado à custa de um expansionismo que tem gerado instabilidade em várias regiões do mundo.

Jamais, também, um presidente dos EUA ousaria pôr em causa a União Europeia (UE), um fiel da balança imprescindível a nível global, além de ser o seu principal parceiro comercial. Admitir que lhe é indiferente que a Europa esteja unida ou que se esboroe, é egocentrismo grosseiro que prenuncia dificuldades no relacionamento com a UE.

Quando Trump mostra abertamente cumplicidade com as forças radicais que defenderam o "Brexit" no Reino Unido e com Vladimir Putin que manifestamente tem procurado dividir, enfraquecer e destruir a UE, há razões para estarmos alarmados.

Com Trump chegam à Casa Branca as forças mais reacionárias da América, que não escondem a simpatia pelas teorias da pureza racial, despertando demónios que deveriam estar já enterrados há muito tempo.

E, ao contrário do que pretendeu fazer crer que estaria do lado do povo contra o sistema, a verdade é que, visto com maior atenção, facilmente se constata o contrário, porque os seus aliados são as forças mais ultraconservadoras e reacionárias que moldam os interesses da América. E estes interesses poderosos são bem conhecidos: as petrolíferas, os industriais de armamento e os especuladores da Goldman Sachs.

Não há, por isso, razões para otimismos relativamente ao futuro próximo. Pelo contrário, infelizmente.

Deputado do PS

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