Portugal exigiu a Espanha ser ouvido sobre eventual prolongamento de Almaraz

Bruxelas tem 90 dias para responder à queixa portuguesa. Só depois disso é que o Governo poderá avançar com uma queixa formal junto do tribunal europeu, disse o ministro do Ambiente no Parlamento, nesta terça-feira.

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Matos Fernandes defendeu, no entanto, que é preciso “usar todos os meios ao dispor” para exigir a participação de Portugal no processo de Almaraz TIAGO PETINGA/LUSA

O Governo português exigiu a Espanha ser ouvido no processo de decisão sobre o eventual prolongamento da central nuclear de Almaraz, cuja laboração foi estendida até 2020. A carta com a exigência seguiu para Madrid depois de o ministro espanhol da Energia ter admitido, na reunião com a equipa portuguesa do Ambiente, que não havia nenhuma decisão tomada sobre a vida futura da central, contou nesta terça-feira, no Parlamento, o ministro João Pedro Matos Fernandes.

No encontro, o ministro português defendeu que um novo prolongamento da vida da central, que já foi estendida de 2010 para 2020, tem de ser alvo de uma Avaliação de Impacto Ambiental transfronteiriça e que deve ter a participação de Portugal. Tal foi agora reiterado formalmente por escrito.

O ministro do Ambiente, que está a ser ouvido nesta terça-feira na Comissão de Ambiente, a pedido de Os Verdes, por causa do processo de licenciamento e construção do aterro de resíduos nucleares em Almaraz, esclareceu também que a Comissão Europeia tem 90 dias para decidir sobre a queixa que Portugal entregou em Bruxelas há uma semana e acredita que Bruxelas irá questionar Madrid sobre o assunto. Só depois disso é que o Governo poderá avançar com uma queixa formal junto do tribunal europeu.

Efeitos suspensivos?

Questionado pelos deputados sobre se a queixa que entregou tem ou não efeitos suspensivos sobre a construção do aterro na central nuclear, o ministro admitiu desconhecer. Mas também neste caso, Bruxelas tem 90 dias para esclarecer se há ou não suspensão. Matos Fernandes vincou que o Governo português “tem um ano” para este processo, uma vez que a licença para a exploração do armazém demorará entre 12 e 15 meses a ser emitida, tal como contaram, na reunião do passado dia 12, os governantes espanhóis.

Os deputados quiseram saber quais as diligências feitas pelo Governo português, quais os termos da queixa, o que aconteceu na reunião com o governo espanhol e, sobretudo, qual é a posição governamental sobre o futuro da central nuclear. Mas João Pedro Matos Fernandes descreveu o calendário das diligências iniciadas há quatro meses e não falou sobre o que o Governo pensa sobre o prolongamento da laboração de Almaraz.

O ministro defendeu, no entanto, que é preciso “usar todos os meios ao dispor” para exigir a participação de Portugal no processo de Almaraz. “O aterro pode ser um problema porque não sabemos o tempo em que vai funcionar; pode durar muito para além da própria central, numa escala que se calhar não é a da nossa vida”, afiançou o ministro. 

Matos Fernandes criticou os deputados que consideram que o aterro é um mal menor e se preocupam antes com a extensão da laboração da central. “O aterro é um mal maior. O aterro vai destinar-se a guardar combustíveis já usados, mas activos do ponto de vista radioactivo. Não estamos a discutir se são mais dez ou menos dez anos; estamos a discutir milhares de anos sobre materiais dos quais não temos maneira de saber se podem guardar esses combustíveis”, disse o ministro recordando tratar-se de uma estrutura em betão e que até agora só se sabe que este dura pelo menos 120 anos.

"O problema é para o que ela serve”

O ministro contou que outro ponto de discórdia com o Governo espanhol, para além da não comunicação da intenção da construção a Portugal, é o entendimento de Madrid de que essa avaliação poderia ser apenas sobre a obra e não sobre o funcionamento do aterro. “O problema não é construir uma piscina de betão a 100 quilómetros da fronteira. O problema é para o que ela serve”, insistiu.

João Pedro Matos Fernandes disse que ficou “ferida de legalidade e prejudicada a relação de confiança entre os dois países” com este caso. E contou que foi à reunião a Madrid no dia 12, por o Governo espanhol ter dado a entender que “não era um processo encerrado”.

No encontro, de acordo com o governante, os ministros espanhóis mostraram disponibilidade para enviar a informação, mas esse gesto “tinha uma leitura perversa” – que fosse Portugal a fazer o estudo e desvalorizaram ainda a pressa portuguesa e disseram que para entrar em funcionamento o aterro precisava de uma licença que demorava mais de um ano. Mas foi o facto de defenderem que a construção não precisava de Avaliação de Impacto Ambiental transfronteiriço que prejudicou qualquer entendimento e levou à entrega em Bruxelas da queixa, contou o ministro.

O ministro lembrou os deputados que “não há uma política energética única” na União Europeia e que Espanha é “soberana” nas suas opções políticas de investimento, mas que tem de agir dentro da lei. “O Governo português entende que a Avaliação de Impacto Ambiental transfronteiriça é muito mais do que a apreciação de uns documentos mais ou menos bem feitos por parte das administrações públicas. A directiva é clara até quando manda ponderar a consulta pública”, afirmou o ministro, sublinhando que essa hipótese devia ser considerada.

Entretanto, depois de o deputado do PAN André Silva ter realçado que Portugal compra energia eléctrica a Espanha produzida a partir de energia nuclear, e de o Bloco de Esquerda ter defendido que o Governo devia "chamar à pedra" os accionistas da central de Almaraz que actuam no mercado eléctrico português, este último partido apresentou um requerimento para a comissão parlamentar de Ambiente ouvir também, com carácter de urgência, as administrações das filiais portuguesas da Iberdrola, Endesa, Gás Natural Fenosa.

Também o PSD entregou nesta terça-feira um projecto de resolução em que propõe à Assembleia da República que recomende ao Governo que inclua na agenda da próxima Cimeira Luso-Espanhola (que ainda não tem data mas deve acontecer antes do Verão) um ponto específico sobre a central nuclear de Almaraz e a "necessidade de proceder ao seu encerramento". 

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