Trump começa a desmantelar a ordem comercial global

Presidente dos EUA rompeu a parceria com os países da Ásia e do Pacífico (TPP) e anunciou intenção de renegociar o tratado assinado por Bill Clinton com o México e o Canadá (NAFTA).

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Donald Trump já contrariou várias decisões da administração Obama Reuters/KEVIN LAMARQUE

Os acordos de livre comércio negociados pelos Estados Unidos com os seus parceiros do Pacífico, e com os vizinhos da América do Norte, já começaram a ser desfeitos por acção administrativa do Presidente Donald Trump, que cumpre assim a sua promessa de começar a desmantelar a ordem económica mundial e reescrever a política de alianças do país logo no seu primeiro dia de trabalho na Casa Branca.

O Presidente cumpriu com a palavra dada aos seus eleitores, ao assinar uma série de decretos (são directivas administrativas e não leis) que provam que a sua deriva proteccionista não é só retórica e que as suas credenciais conservadoras não foram descartadas depois da eleição. A sua decisão mais importante foi a que formalmente retira os EUA do acordo transpacífico de comércio livre – a primeira vítima oficial da guerra comercial que o Presidente norte-americano antecipou ao longo da campanha.

Trump assinou ainda duas directivas que agradarão à sua base de apoio populista e conservadora: um decreto que congela todas as contratações no Governo federal excepto no Exército, e outro que restabelece a chamada “política da Cidade do México”, que proíbe o uso das verbas destinadas à ajuda internacional para o financiamento de ONG estrangeiras que facilitem abortos. Essa é uma medida que é aplicada por todos os Presidentes republicanos desde Ronald Reagan, e descartada pelos democratas.

Ninguém esperava que Donald Trump conseguisse levar a cabo as 18 medidas prometidas, num discurso de campanha em Gettysburg, para o primeiro dia em que se sentasse na Sala Oval – e que passavam pela revogação das medidas administrativas de Obama da imigração às alterações climáticas ou à demarcação de zonas livres de armas em escolas ou bases militares. Mas também não se aguardava que antes de lançar formalmente a sua ofensiva contra os tratados internacionais de livre comércio viesse declarar uma guerra aos media ou anunciar planos militares para derrotar o Daesh – há sempre uma componente de surpresa e improviso com Donald Trump.

Além das implicações económicas e financeiras, as suas primeiras directivas terão profundas consequências em termos da política externa norte-americana e das relações internacionais a nível global. Por exemplo, se não é possível quantificar o efeito da rejeição do pacto comercial transpacífico, que nunca entrou em vigor, é fácil de antecipar o impacto político do seu abandono: ao abdicarem de exercer a liderança na esfera económica e estender a sua influência na região, os EUA estão a ceder o palco e a iniciativa à China, a grande potência regional que estava fora do acordo e que inevitavelmente ocupará o vazio para afirmar a sua dominância na Ásia.

O novo Presidente americano repetidamente descreveu a parceria comercial que abrangia 12 países da Ásia e do Pacífico, que representam quase 40% da economia global e um terço do comércio mundial, como “um desastre”. O tratado, negociado por Barack Obama entre 2009 e 2015, nunca chegou a ser ratificado pelo Congresso, pelo que a medida de Trump é acima de tudo simbólica – o que não o impediu de se congratular por ter feito “uma grande coisa pelos trabalhadores americanos”.

A medida deveria ser ainda elogiada pelos representantes do movimento sindical que o Presidente ia receber na Casa Branca (já depois da hora de fecho desta edição), e que sempre se opuseram ao tratado, bem como a ala mais à esquerda do Partido Democrata. No entanto, terá dificultado o relacionamento com os restantes onze países signatários, bem como com a bancada republicana do Congresso, defensora da iniciativa.

No que diz respeito ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), a margem para a acção unilateral é mais curta. O Presidente dos EUA pode decidir retirar o país do tratado, que foi assinado em 1993 por Bill Clinton, mas até ao momento, Trump manifestou apenas a intenção de renegociar os termos do acordo com o Canadá e o México – o primeiro-ministro, Justin Trudeau, e o Presidente, Enrique Peña Nieto, serão recebidos em Washington até ao fim do mês para discussões que além da questão comercial também terão na agenda matérias de imigração e protecção das fronteiras, segundo a Casa Branca.

Em declarações ao jornal El Universal, o ministro mexicano da Economia, Ildefonso Guajardo, garantiu total abertura para rever as regras, avisando, contudo, que qualquer decisão dos EUA, particularmente em matérias de tarifas alfandegárias, seria reciprocada pelo seu país. “Qualquer acção que penalize as importações para o mercado norte-americano e encoraje as exportações dos EUA, terá de ser reflectida numa acção idêntica para contrabalançar as mudanças nos incentivos para as actividades e investimentos no México”, afirmou.

Para dar força à sua mensagem da “América primeiro” proclamada no discurso de tomada de posse, o Presidente chamou à Casa Branca os responsáveis de empresas multinacionais como a Ford, a Dell, Johnson & Johnson, Dow Chemical, Lockheed Martin ou Whirlpool, que foram mais uma vez pressionados para manter as suas operações em território nacional e contratar mais trabalhadores americanos.

“Vamos começar a fazer os nossos produtos na América, e vamos conceder enormes benefícios às companhias que fizerem aqui os seus produtos, vocês vão ver”, prometeu Donald Trump, que considera possível reduzir os impostos sobre as empresas de 35% para 15% e ainda eliminar do quadro regulatório 75% das regras (de segurança laboral ou protecção ambiental) que, na sua opinião, impedem as empresas de trabalhar como lhes apetecer. E para gozar destas vantagens, as empresas nem precisam de fazer nada, disse. “Basta que fiquem e não se vão embora”, sublinhou.

Ao mesmo tempo que prometeu recompensas, também lembrou que haverá penalizações se as empresas não seguirem o seu guião, na forma de um novo imposto de 35% nas importações que os legisladores republicanos já recusaram aprovar.

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