O populismo no Capitólio

A América até pode voltar a ser tão grande como o novo Presidente deseja, mas o custo vai ser alto.

Donald Trump não quer estado de graça. Entrou ao ataque e fez um primeiro discurso sem tons de cinzento, mostrando que o mundo até é fácil de entender desde que as vistas sejam curtas e não se olhe para lá das fronteiras.

Populista, nacionalista e a agitar o fantasma do racismo, o líder da América ainda começou por dar a entender uma aproximação à união da América, mas não resistiu ao discurso divisivo de quem não sabe ganhar. Elencou promessas que prometem restaurar a grandeza económica e garantiu que vai erradicar o terrorismo islâmico, para gáudio das multidões que encheram o Capitólio.

Com a mão na bíblia e a cabeça no Twitter, o novo Presidente fez um discurso em que misturou tiradas de livros de auto-ajuda, invocações de poderes divinos e apelos ao ódio. Tudo embrulhado numa densidade discursiva digna apenas de uma campanha eleitoral. Frases curtas, que se esgotam em si mesmas, seguidas de outras no mesmo tom, com a cadência dada pelas palmas nas pausas para respirar.

O efeito é o mesmo do conseguido em campanha: moralizar o povo para ganhar força na luta contra a elite e o poder instalado de que ele, paradoxalmente, é o máximo representante. Trump sabe que ganhou com este discurso e sabe que é ele que o pode suster nas próximas lutas. Não vão ser quatro anos fáceis: O Presidente vai lutar contra o Congresso republicano, contra a justiça, a imprensa e os próprios serviços de inteligência. E em todos os embates vai usar a lógica do “nós contra eles” – receita infalível, dogmática e fácil de apreender pela turba ululante que compra os bonés de basebol.

Com isto, os americanos abandonaram a lógica bipartidária. Não basta dizer muitas vezes América para fazer um conservador, não chega repetir a crença no povo para defender a democracia. O conservadorismo sai de cena, não pelo extremismo do Tea Party mas pelo populismo com tiques autoritários de Donald Trump. Nesse sentido, os Estados Unidos são mais uma peça no dominó populista que tem varrido as democracias ocidentais e que pode ter os próximos desenvolvimentos na Holanda e em França. 

A partir de hoje, os EUA escolheram estar contra a globalização e a favor de um mundo com fronteiras. Um mundo contra a diferença, contra o clima, contra o comércio livre e contra a estabilidade. A América até pode voltar a ser tão grande como o novo Presidente deseja, mas o custo vai ser alto.

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