Construção de armazém de resíduos nucleares em Almaraz começa "nos próximos dias"

Secretário de Estado espanhol para os Assuntos Europeus diz que ainda "não se iniciou o procedimento de autorização da operação, do funcionamento do armazém".

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O aterro a construir vai ser necessário para armazenar qualquer material radioactivo Reuters/RAFAEL MARCHANTE

Espanha vai iniciar "nos próximos dias" a construção do armazém de resíduos nucleares na central de Almaraz, estrutura que o Governo espanhol garante que será segura, mas que Portugal vai contestar esta segunda-feira, com uma queixa à Comissão Europeia.

A informação sobre o projecto foi adiantada à Lusa pelo secretário de Estado para a União Europeia espanhol, Jorge Toledo, que se reuniu esta manhã com a secretária de Estado dos Assuntos Europeus portuguesa, Margarida Marques, em Lisboa.

"A obra civil, que vai durar quase um ano, vai começar nos próximos dias, mas é uma obra civil. Ainda não se iniciou o procedimento de autorização da operação, do funcionamento do armazém, que terá, como é normal, todas as garantias, necessitará de um relatório do Conselho de Segurança Nuclear espanhol para que tenha absolutamente todas as garantias", afirmou o governante espanhol.

Questionado sobre se o executivo espanhol vai esperar o parecer da Comissão Europeia sobre o projecto antes de emitir a licença para a operação do armazém de resíduos nucleares, Jorge Toledo indicou que Madrid "terá que autorizar o funcionamento, na altura devida, o que não será antes de princípio de 2018".

"Entretanto, a Comissão decidirá qual é a sua interpretação da directiva que exige, quando há impacto transfronteiriço, a participação de outro país", referiu.  O governante espanhol disse ainda que a construção do armazém na central de Almaraz pretende precisamente garantir a segurança: "Se não houvesse armazém, estaríamos perante um cenário de insegurança", disse.

"O principal interessado em que a operação da central de Almaraz e, em concreto, a construção e operação do armazém de resíduos tenha todas as garantias de segurança é Espanha. É uma central que está a 110 quilómetros em linha reta da fronteira portuguesa, e portanto está em pleno território espanhol, com muitos espanhóis que vivem ali", acrescentando que o Governo de Madrid está "disposto, como até agora, a oferecer toda a informação necessária aos amigos portugueses".

Portugal vai apresentar esta sexta-feira a queixa a Bruxelas contra Espanha, um procedimento inédito entre os dois países ibéricos, confirmou à Lusa a secretária de Estado dos Assuntos Europeus. Segundo Margarida Marques, está em causa uma divergência entre os dois países, "que são amigos", sobre uma directiva comunitária e o executivo português entende que, "em determinado momento do processo, Espanha devia ter informado Portugal do processo da construção da central".

O projecto esteve em consulta pública, mas, disse Margarida Marques, esse processo decorreu em Espanha e "não houve uma informação formal do Governo espanhol ao Governo português". "É isso que entendemos que não foi feito, é por isso que entendemos que o artigo 7.º da directiva [2011/92/UE, de 13 de dezembro de 2011] não foi respeitado", mencionou.

"Nós confiamos no Governo espanhol no sentido de entender que está preocupado com a segurança dos cidadãos espanhóis, como nós estamos preocupados com a segurança dos cidadãos portugueses", disse ainda a governante portuguesa. Portugal considera que tem de ser feita uma avaliação de impacto transfronteiriço do projecto.

Na semana passada, numa reunião em Madrid entre o ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, e os ministros da Energia de Espanha e do Ambiente, o Governo espanhol sugeriu que fosse Portugal a realizar esse estudo, proposta que o executivo português recusou, considerando que essa responsabilidade cabe a Espanha.

De acordo com o Boletim Oficial do Estado (BOE), uma resolução de 14 de dezembro de 2016, da Direcção-Geral de Política Energética e Minas, o Governo espanhol "autoriza a execução e montagem da modificação do desenho correspondente ao Armazém Temporário Individualizado da Central Nuclear Almaraz, Unidades I e II".

No texto do BOE, publicado após os pareceres favoráveis por parte do Conselho de Segurança Nuclear (CSN) e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, o executivo espanhol autorizou a construção do armazém temporário individualizado (ATI) da central de Almaraz de acordo com as condições impostas pelo CSN espanhol.

O processo para a construção do ATI teve início em 18 de Novembro de 2015, quando o director-geral das Centrais Nucleares de Almaz-Trillo (CNAT) solicitou a autorização para a construção do armazém de resíduos nucleares, com o objetivo de resolver as necessidades de armazenamento do combustível gasto nos reatores.

A funcionar desde o início da década de 1980, a central está situada junto ao Tejo e faz fronteira com os distritos portugueses de Castelo Branco e Portalegre, sendo Vila Velha de Ródão a primeira povoação portuguesa banhada pelo Tejo depois de o rio entrar em Portugal. A central nuclear de Almaraz tem dois reactores nucleares, cada um com uma "piscina" para guardar o lixo nuclear, prevendo-se que a do "reator 1" alcance o limite da sua capacidade em 2018.

Segundo fontes da central, o ATI a construir vai ser necessário para armazenar qualquer material radioativo, mesmo aquele que resultar da desactivação da central em 2020, como está previsto. Os ambientalistas portugueses desconfiam que a decisão de construção do ATI seja o primeiro passo para prolongar a vida da central para além de 2020.

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