A nova segregação

Esta América politicamente dividida e intelectualmente segregada pode ser a maior herança deixada por Donald Trump. Se assim for, será uma América doente e mais fraca do que é hoje.

A tomada de posse de um Presidente americano costuma ser ocasião para festa. Mas não desta vez: há congressistas que se recusam a participar no juramento de Donald Trump, há manifestações agendadas para todos os dias da semana, há protestos marcados até noutros países. E as sondagens anunciam que nunca um presidente tomou posse com taxas tão baixas de aprovação.

Há razões políticas, de fundo, para os protestos: os direitos civis que Obama propagou estão efectivamente em risco com esta nova administração. O primeiro passo para o desmantelamento do pacote legislativo conhecido como Obamacare, que abriu acesso à saúde a vinte milhões de cidadãos, é o primeiro passo desta administração para retirar direitos adquiridos. Devem seguir-se as limitações de alguns direitos civis e ataques a minorias – começando pelos imigrantes, depois a comunidade LGBT e depois as mulheres, por quem Trump e esta administração tem demonstrado feroz desrespeito.

Mas não serão os latinos, as mulheres ou os intelectuais a fazer tremer Trump, nem serão estes a assustar os apoiantes do presidente eleito. E também não serão os prometidos protestos internacionais, por grandes que sejam, a fazer a nova administração tremer. Trump é o Presidente eleito dos Estados Unidos e não é concebível que não lhe seja mostrado o respeito que merece pelo cargo que ocupa, independentemente do seu valor. Muitas vozes moderadas esperam que a presidência acabe por ser um fato que molde Trump e as suas políticas, mas será preciso aguardar por dia 20, visto que até agora não houve ainda sinais disso.

Esta vaga de protestos é surpreendente, pela dimensão que tomou. Mas não é estranha a um homem que fez da retórica superficial a principal arma política. Trump gosta de polémicas, vive delas, preferindo os tweets à substância de um debate político profundo. Sempre que for necessário dividir o país para ganhos de curto prazo, o Presidente estará pronto a fazê-lo. Pelo que se tem visto nos últimos tempos, a barricada anti-Trump também não hesitará em procurar um discurso de crítica que aposta igualmente num discurso de “nós contra eles”, estigmatizando políticas.

Esta América politicamente dividida e intelectualmente segregada pode ser a maior herança deixada por Donald Trump. Se assim for, será uma América doente e mais fraca do que é hoje.

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