A tomada de posse de Donald Trump

As cerimónias de tomada de posse do 45º presidente dos Estados Unidos da América, na próxima sexta-feira, constituirão o principal acontecimento da semana que se avizinha. Tudo nesta presidência é incomum e tem sido bastante problemático, começando por um processo eleitoral baseado nos ataques e polémicas ad hominem, nas suspeitas de envolvimento da Rússia na campanha eleitoral e seguido de um processo de transição marcados por o que eu interpretaria como um clima de grande instabilidade nos EUA.

Os tweets constantes de Donald Trump ,que já somam mais 300 desde a eleição a 8 de Novembro, com mensagens que parecem ser ataques:

de “persuasão moral” (“jawboning”) a empresas americanas, quase chantageando-as para investir nos EUA;
à “China”, “México” e “Irão”;
a interesses do complexo industrial-militar dos EUA;
a agências dos serviços secretos dos EUA;
ao Obamacare;

As nomeações de Trump para as principais posições seguem a persona: não convencionais e chocantes até, ao nomear três generais, dois dos quais considerados como “falcões”  algo afastados do consenso, para as chefias, tradicionalmente ocupadas por civis, da defesa, da “Homeland Security” e para conselheiro da segurança nacional; ao nomear para Secretário de Estado e responsável pela política externa dos EUA - o antigo presidente executivo da Exxon, pessoa com boas relações com Putin; ao pretender nomear para seu gabinete, o seu genro (também multi-milionário), possivelmente em incumprimento de leis contra o nepotismo; ao nomear para agências do Estado que considera “redundantes”, como a Agência de Energia, a Agência de Protecção do Ambiente e o Departamento da Educação, anunciados nemesis das respectivas agências; os conflitos de interesse por resolver, em relação aos negócios do multi-milionário.

Tudo isto, acompanhado por decisões da Administração Obama, dos próprios serviços secretos e da imprensa “mainstream”, no período de transição do poder, altamente polémicas e que, em certa medida, parecem procurar condicionar já o mandato de Donald Trump. Em particular:

a declaração oficial, com base numa avaliação dos serviços secretos americanos que, com “elevada confiança” (i.e., não têm a certeza que assim tenha sido), a Rússia interferiu (“hacked”) com o processo eleitoral americano;
a votação (o primeiro não veto) de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU contra Israel;
a expulsão entre Natal e Ano Novo de 35 diplomatas russos e o encerramento compulsório de instalações da Rússia nos EUA;
e a divulgação na imprensa, nomeadamente na CNN, de um relatório alegadamente secreto, altamente polémico e aparentemente, pelo menos em parte, falso, que essencialmente sugere que Trump seria um presidente condicionado e controlado pela Rússia.

O objectivo anunciado do primeiro ano de administração Trump será “drain-the-swamp”, i.e., “secar o pântano” que seria Washington, D.C., desferindo golpes muito duros logo no primeiro ano, na expectativa que o “grid-lock” que se instala após o primeiro ano não impeça a administração Trump de mudar, “para sempre”, o Governo dos EUA …

Enfim, não há memória de uma transição como esta nos EUA, com forças internas tão arregimentadas e tão arreigadas umas contra as outras. E também não há registo de um presidente tão afoito em afrontar tantos e tão poderosos interesses instalados nos EUA de forma tão publicamente visível, de uma forma que parece quase despreocupada. O último que afrontou a CIA e o complexo-industrial dos EUA foi John F. Kennedy, que foi, recorde-se, assassinado a meio do seu mandato. Trump não é comparável a Kennedy e, por conseguinte, parece que os EUA e o mundo podem esperar um mandato controverso e instável.

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