Acumular trabalho público e privado? Só um candidato a bastonário dos médicos diz que sim

Eleição para bastonário da Ordem dos Médicos tem lugar na próxima quinta-feira. Quatro candidatos debatem o futuro da classe.

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Adriano Miranda
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Miguel Guimarães Adriano Miranda
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João Gouveia Adriano Miranda
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Jorge Torgal Adriano Miranda
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Álvaro Beleza Adriano Miranda

Quase 30 anos depois de a então ministra da Saúde Leonor Beleza ter lançado pela primeira vez o tema da separação dos médicos entre o sector público e o sector privado o debate continua, mas quase nada foi feito. Devem ou não os clínicos poder acumular funções no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e no privado? Só Miguel Guimarães, um dos quatro candidatos a bastonário da Ordem dos Médicos, defende que as regras devem continuar como estão. Álvaro Beleza, Jorge Torgal e João França Gouveia concordam que é importante rever as normas, mas sobretudo para os novos médicos e dando sempre boas condições salariais para quem queira ficar em exclusivo no sector público.

Os quatro candidatos que vão a votos nas eleições da Ordem dos Médicos na próxima quinta-feira, dia 19 de Janeiro, responderam por escrito a várias perguntas do PÚBLICO. Referem os desafios que esperam encontrar se forem eleitos pelos mais de 50 mil médicos inscritos na ordem e destacam os actuais problemas do SNS e destes profissionais. Quem for eleito sucede no cargo a José Manuel Silva, bastonário desde 2011. Sobre o que herdam, as respostas são politicamente correctas, mas variam.

França Gouveia, que foi director do serviço de urgência do Hospital Amadora-Sintra, responde que não concorre contra ninguém. Miguel Guimarães, actualmente presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, diz que se revê na postura do antecessor, ainda que queira uma ordem menos burocrática. Álvaro Beleza, que foi presidente do Instituto Português do Sangue e que fez parte da direcção do PS com António José Seguro, prefere destacar os problemas do SNS, que empurrou os médicos privado e para a emigração. E Jorge Torgal, antigo presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) e professor a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, lamenta o facto de os médicos estarem afastados da ordem.

Quanto à separação entre o trabalho no público e no privado, Miguel Guimarães é o único que defende a continuidade da acumulação de funções, mas “respeitando o regime de incompatibilidade já existente”. “Não sou fundamentalista nessa matéria e acho que o médico, desde que cumpra com o seu trabalho no SNS, pode acumular funções”, explicita, acrescentando que deve sempre dada a possibilidade de ficaram em exclusivo no sector público com condições adequadas.

Álvaro Beleza também entende que o “exercício em simultâneo” não é, “em si próprio, condenável”. Mas considera que “já temos um número suficiente de médicos”, pelo que a acumulação deixa de fazer sentido. “Os médicos devem ter a possibilidade de escolherem trabalhar num regime de exclusividade, devidamente remunerado”, afirma.

Jorge Torgal é mais taxativo: “Deverá haver uma clara separação entre o público e o privado. Deverá começar desde já o debate entre os médicos de como irá decorrer essa separação”. Ainda assim, lembra que “a generalidade dos médicos acumula público e privado para ter rendimentos condignos”. João França Gouveia acrescenta que a dedicação exclusiva deve vigorar para os novos contratos e sempre com uma “remuneração compatível”.

O problema das urgências

Nos grandes objectivos para o mandato, há pontos que unem os quatro candidatos: apostar nas carreiras e na formação dos médicos e promover o desenvolvimento do SNS. Depois, há as ideias próprias de cada um. Jorge Torgal, por exemplo, quer que os médicos se actualizem e que se dediquem mais à investigação.

Por seu lado, Álvaro Beleza quer tornar a Ordem dos Médicos na “principal entidade certificadora da saúde” em Portugal e “colocar os médicos na liderança das equipas”. Miguel Guimarães, por outro lado, quer determinar os tempos mínimos para os médicos darem uma consulta e reduzir o número de utentes por médico de família. Já as apostas de França Gouveia são quase todas centradas na “situação dramática e caótica” dos serviços de urgência. Criar a especialidade de medicina de emergência e nomear equipas fixas são algumas das propostas.

Uma das questões do PÚBLICO dizia respeito a este tema e todos os candidatos corroboraram a ideia de que as urgências precisam de uma intervenção que tenha uma visão para lá do imediato, considerando que o caos espelha os problemas de organização do SNS. Da mesma forma, todos entendem ser prioritário acabar com os tarefeiros.

Salários como os dos magistrados?

Nas questões salariais, nenhum dos quatro se alonga sobre “o que é um salário justo?”. Até porque, lembram, os vencimentos são matéria dos sindicatos. Torgal considera que o principal problema está na falta de actualização dos vencimentos. França Gouveia sugere que Portugal siga as médias europeias. Beleza e Guimarães dão uma sugestão mais concreta: vencimentos semelhantes aos das carreiras dos magistrados.

Os vencimentos dos juízes variam. Mas em funções mais comuns, como um juiz de direito com 18 anos de serviço, o valor é de 5000 euros brutos. As tabelas dos médicos têm vários valores, que vão dos 1800 brutos para um assistente sem dedicação exclusiva até aos mais de 5000 euros para um assistente graduado no topo de carreira e em dedicação exclusiva de 42 horas semanais. Os chefes de serviço no topo também podem chegar aos 5700 brutos.

A necessidade de reduzir o número de vagas em medicina para garantir que a formação continua a ter qualidade gera consensos entre os quatro, com Álvaro Beleza, França Gouveia e Miguel Guimarães a alertarem ainda que com o actual número de diplomadas o desemprego médico vai tornar-se numa realidade.

Noutras áreas, o acordo não é assim tão fácil. Sobretudo quando se fala de grandes mudanças de paradigma, como os médicos passarem a prescrever nos seus consultórios privados exames comparticipados pelo SNS. Para Álvaro Beleza o “sim” é claro, até porque a medida faz parte do seu programa. Jorge Torgal responde com um “não” redondo. França Gouveia reitera a separação público/privado e Miguel Guimarães é cauteloso, referindo que há vários factores que devem ser ponderados – mas não duvida que as convenções deviam ser abertas a todos os médicos.

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