Quem é Christopher Steele? Um ex-espião credível segundo a CIA e o FBI

A credibilidade de Christopher Steele, autor do relatório sobre Trump e a Rússia, foi fundamental para a importância dada ao caso pelas agências norte-americanas.

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A sede da empresa Orbis Business Intelligence, em Londres, é agora ponto de encontro para muitos jornalistas LUSA/WILL OLIVER

Na noite da passada terça-feira, a imprensa norte-americana noticiava que os serviços secretos dos EUA apresentaram a Barack Obama e ao Presidente eleito, Donald Trump, uma adenda de 35 páginas ao relatório sobre a ingerência russa nas eleições presidenciais de Novembro. Nessas páginas, alegava-se que Moscovo também tinha informações altamente comprometedoras sobre o magnata que toma posse a 20 de Janeiro como Presidente dos EUA.

A primeira reacção de Trump surgiu no Twitter: “Notícias falsas – total caça às bruxas política”. No dia seguinte, na primeira conferência de imprensa desde que foi eleito, e já depois de o site Buzzfeed ter publicado na íntegra as páginas apresentadas pelos serviços secretos, Donald Trump desmentiu o conteúdo – nomeadamente, referências a actos sexuais com prostitutas num hotel em Moscovo – garantindo que o Kremlin não tem nada que possa ser utilizado contra si. E acrescentou que os autores do relatório são “um grupo de opositores” e “gente doente” que “fabricou” o documento.

Não se sabe se é tudo “falso”, como diz Trump. Mas também não se sabe se é verdade. A comunicação social norte-americana notou, aquando da publicação da notícia, que a informação incluída na adenda não estava confirmada, e muita dela pode até ser impossível de ser verificada. Ou seja, se não é conhecido o nível de veracidade acerca da informação apresentada a Obama e ao seu sucessor na Casa Branca, arriscando-se, como veio a acontecer, uma fuga de informação, por que razão os serviços secretos americanos decidiram acrescentar uma adenda com 35 páginas? Foram muitas as críticas pela falta de profissionalismo e pela precipitação das agências, mas a razão pode estar na credibilidade dada ao autor do documento.

Na noite desta quarta-feira saltou para os jornais a identidade do suposto responsável pela recolha desta informação sobre Trump. Christopher Steele foi agente do MI6, a agência de espionagem britânica para o exterior, sendo actualmente um dos directores da empresa privada que presta serviços de consultoria de segurança e de investigação, a Orbis Business Intelligence. Mas a sua carreira na espionagem pode explicar muita da confiança que as agências americanas depositam em si.

O Guardian publica um longo perfil sobre Steele, e oferece alguma luz sobre o seu trajecto. Em primeiro lugar, as referências dos seus antigos colegas, incluindo um antigo membro do Foreign Office britânico (equivalente ao ministério dos Negócios Estrangeiros), e amigos dificilmente poderiam ser mais positivas. “Muito credível”, cauteloso, meticuloso e com um currículo invejável: “A ideia de que o trabalho dele é falso ou que a operação é falsa, não é de todo verdade. Chris [Steele] é um profissional experiente e completamente reconhecido. Ele não é o tipo de pessoa que vai atrás de um rumor”, diz ao jornal britânico o ex-membro do gabinete de relações externas do Reino Unido e que conhece o antigo espião há 25 anos.

A actuação da CIA ou do FBI não se baseou na opinião de alguns amigos de Steele. A confiança e a credibilidade do ex-agente parece ir muito para além disso.

Desde cedo que Steele se destacou como um dos maiores especialistas sobre a Rússia no MI6. Foi responsável por toda a matéria relacionada com o Kremlin e com a antiga União Soviética durante os mais de 20 anos passados na agência britânica. No período que antecedeu a queda do regime soviético, no início da década de 90, e quando a Rússia era ainda a prioridade número um dos serviços secretos britânicos, Steele viveu dois anos em Moscovo, onde encetou contactos decisivos para o seu trabalho futuro.

Quando, em 2006, o antigo espião russo Alexander Litvinenko foi assassinado, Chris Steele teve também um papel decisivo em toda a investigação. Foi ele, contam ao Guardian, quem indicou, em primeiro lugar, que o crime era um acto ordenado pelo Kremlin.

Em 2009 fundou, juntamente com o parceiro Chris Burrows, uma empresa, a Orbis, com sede em Londres. A motivação era,explorar oportunidades através de uma empresa privada de segurança e com alguém com as competências de Steele aos comandos. Com a preocupação actual centrada na ameaça do terrorismo islâmico, para a saída do MI6 terá também contribuído o facto de os assuntos relacionados com Moscovo terem deixado de ser a principal preocupação da agência, o que o impediu também de atingir posições relevantes de liderança.

Com este nível de conhecimento, a empresa de Steele e Burrows seria uma escolha óbvia para quem quisesse aprofundar qualquer assunto relacionado com Moscovo. Foi isso o que terá pensado um grupo crítico de Donald Trump no Partido Republicano, e, mais tarde, também os democratas.

Apesar de estar impedido de entrar na Rússia há mais de 20 anos, o agora consultor soube manter e adquirir valiosos contactos e reunir informação sensível sobre o futuro Presidente dos EUA. A técnica é simples: as fontes que contactam directamente com Steele terão, muito provavelmente, as suas próprias fontes. Estas, consideradas de confiança, ficaram encarregadas de grande parte da investigação a Trump em Moscovo tendo reportado a informação obtida de volta a Steele através de canais de comunicação seguros. Esta é, pelo menos, a estratégia relatada pelas fontes oficiais britânicas ouvidas pelo Guardian.

O processo que se seguiu é semelhante ao utilizado com a maior parte dos clientes da Orbin: verifica-se e avalia-se a credibilidade da informação recebida e reúne-se todo o conjunto para ser entregue ao cliente. Neste caso, era a empresa Fusion GPS, uma companhia de investigação política em Washington que tinha sido contratada pela ala republicana crítica de Trump e, depois, pelos democratas. Os memorandos enviados foram a base para a adenda entregue pelos serviços secretos americanos.

A fonte do Foreign Office que falou ao jornal britânico admite que o relatório apresentado por Steele apresentava algumas falhas. Mas, explica, no mundo obscuro da espionagem nem sempre os factos ou a verdade absoluta é o que mais interessa: “Não estamos a lidar com um mundo binário onde se pode dizer que isto é verdade e isto não”, afirma a mesma fonte, acrescentando que, nos relatórios sobre informação secreta, muitas vezes se utilizam “graduações de veracidade” e expressões como “alto grau de probabilidade”. É com base nestas matérias que as agências e até mesmo Governos tomam as suas decisões.

O dossier elaborado pelo antigo espião terá sido entregue ao senador americano John McCain por um antigo embaixador do Reino Unido em Moscovo. McCain fez depois chegar a documentação ao FBI. Uma das possibilidades que terá passado pela mente das agências norte-americanas, quando os documentos lhes chegaram às mãos, era que esta não passava de uma campanha de desinformação muitas vezes utilizada pelo Governo de Vladimir Putin. Mas, como diz a fonte do gabinete de relações externas, isso era “pouco provável”, porque o relatório “é multidimensional, envolvendo muitas pessoas diferentes, e muitas partes móveis”.

Uma coisa é praticamente certa: Steele saberia, melhor do que ninguém, que o conteúdo do seu trabalho poderia não ser verdade ou impossível de ser verificado. Mas isso é um risco inerente ao próprio trabalho de espionagem.

Habituado e treinado para se movimentar na sombra e sob anonimato, Steele está, neste momento, em parte incerta, depois de ver o seu nome nas capas dos jornais. Segundo diz a comunicação social, está “aterrorizado” com os riscos para a sua segurança e da sua família que podem decorrer de uma possível retaliação por parte do Kremlin.

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