Cartas ao director

A morte de Mário Soares

Ouvi falar, pela primeira vez, de Mário Soares em 1971 quando concluí que o regime salazarista-marcelista era uma ditadura e me decidi por ser opositor ao regime. Soares era um dos oposicionistas mais destacados. Nessa época, senti-me atraído pela ideologia comunista.

.Estive com Mário Soares na descolonização. A possível, claro. E muito me irrita que os chamados "retornados" não entendam duas coisas. Primeiro, que nas décadas de 1950, 60 e 70, eles tenham sido os "cavalos de Tróia" do salazarismo em África, o mesmo salazarismo que desprezava qualquer ideal de melhoria do nível de vida em Portugal. Segundo, que Portugal estava, em 1974, numa posição de fraqueza. Não era possível negociar quase nada... e isso era culpa do salazarismo-marcelismo.

Confesso que senti raiva contra Soares quando ele disse que o socialismo ia ser "metido na gaveta". Os governos da década de 1970, presididos por Mário Soares, não mereceram, da minha parte, grande apoio. Não gostei de ver destruída a reforma agrária.  Em 1986, todavia, não hesitei em votar em Soares. Não precisei dos conselhos de Álvaro Cunhal para o fazer. Não me esquecia do papel de antifascista e de lutador pela liberdade de Mário Soares. Gostei de ver Mário Soares a denunciar as injustiças do mundo saído da queda do muro de Berlim. Os excessos do capitalismo sem regras.

O falecimento de Soares não me deixou indiferente. Como historiador/professor de História, não duvido do seu papel "positivo" para Portugal. Como “bloquista” não partilho os ideais por que se bateu, ou, pelo menos, alguns deles- Como amigo e defensor da liberdade, considero que o seu legado é também o meu, e que muitas das suas causas foram (e são) as minhas.

Algo de curioso me levou a escrever estas linhas. Descobri, inesperadamente, que Mário Soares esteve sempre presente na minha vida. Com ele, morre parte da minha própria história pessoal. Da história do meu/dele antifascismo. Da história do meu/dele amor à liberdade.  Espero que não (me) morra a coragem de que ele foi exemplo.

 Carlos Eduardo da Crua Luna, Estremoz

 

Soares e os outros

É possível identificar entre as reacções à morte de Mário Soares, três grupos. No primeiro, estão os que nunca perceberam que foram o adiamento e a teimosia de Salazar, os principais responsáveis das consequências do acelerado processo de descolonização

No segundo, estão os que nunca perdoaram a Mário Soares a recusa da sovietização do regime. No terceiro grupo, com mais ou menos sinceridade, estão os que consideram ter sido Soares o mais importante e destacado político da Democracia portuguesa!

Na balança, os erros, as contradições e mesmos os pecados que tenha cometido, foram mais leves que as decisões de fundo que teve a enorme coragem de tomar.

A luta contra os totalitarismos, de esquerda e de direita que ameaçaram impor-se no Portugal, foi decisiva. Só por isso, qualquer democrata deverá estar egrato a Mário Soares!

Hélder Pancadas, Sobreda

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