Associações de Lisboa pedem “nova política” que controle o uso da habitação para turismo

Associações de cidadãos querem uma Lisboa “vivida por todos, não apenas consumida por alguns”. Pedem diferenciação fiscal para fins turísticos, incentivos à colocação no mercado de edifícios devolutos e mecanismos de controlo das rendas.

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Daniel Rocha

Morar em Lisboa é um “privilégio de poucos” e um “direito praticamente inacessível às famílias portuguesas”: são estas as acusações que estão na base de uma carta aberta escrita por várias associações de cidadãos de Lisboa. Culpam o Estado e o seu apoio ao investimento privado no mercado imobiliário pela “drástica” subida dos preços da habitação na capital e pela “expulsão” dos habitantes do centro da cidade.

Na carta, dirigida ao Governo, deputados e município, os signatários pedem “uma nova política de habitação e de ordenamento do território”, com diferenciação fiscal para fins turísticos, incentivos à colocação no mercado de edifícios devolutos, mecanismos de controlo das rendas e que impeçam os despejos sem assegurar o realojamento dos residentes. Pedem ainda que sejam estabelecidas parcerias com os sectores privado e social.

Este pedido surge numa altura em que consideram “inadiável” que se controle o uso temporário da habitação para efeitos turísticos. Pedem que seja privilegiado o alojamento permanente, algo que, notam, já foi feito noutras cidades europeias, nos Estados Unidos e no Canadá.

Entre os subscritores da carta aberta estão associações como Academia Cidadã, Associação de Inquilinos Lisbonense, Associação de Moradores do Bairro Alto, Colectivo Habita, Associação pelo Património e População de Alfama, Renovar a Mouraria e o movimento "Quem Vai Poder Morar em Lisboa?". O arquitecto Manuel Graça Dias também consta da lista de signatários, ainda em fase de recolha de assinaturas.

“Nos últimos três/quatro anos, os preços da habitação para arrendamento aumentaram entre 13% e 36%, e para aquisição subiram até 46%, consoante as zonas da cidade”, lê na carta agora divulgada. As associações estimam que com estes preços, o pagamento da habitação represente entre 40% a 60% do rendimento familiar. “Os padrões comuns aconselham uma taxa de esforço até 30%”, acrescentam.

Traçam um diagnóstico: vivem numa cidade cujo centro tem uma “oferta insuficiente” e uma “excessiva subida nos preços na habitação”, que continua a perder população, onde há cada vez menos jovens e menos comunidades que são “expulsas” para a periferia. Está-se a “tornar o acesso à habitação nas áreas centrais das cidades um privilégio dos mais ricos”, uma situação que vêem “alastrar por toda a cidade”.

Culpam a “Lei do Arrendamento” que, em 2012, deu mais poder aos senhorios e facilitou os despejos, acreditam. Com isto, o comércio local deixou em igual medida que os seus habitantes o centro das áreas urbanas.

E somam a isto a especulação imobiliária pela afluência de novos residentes estrangeiros. Acusam o “Regime Fiscal para Residentes Não Habituais” e o “Golden Visa Portugal” de ter criado um acesso desigual ao mercado: “Em ambos os casos beneficia os cidadãos estrangeiros com grandes reduções e mesmo isenções de impostos, introduzindo desigualdade entre estes e os residentes permanentes, portugueses ou estrangeiros, que não têm quaisquer benefícios fiscais.” Sem descurar “a importância e o interesse estratégico da Indústria do Turismo”, acreditam que a actividade “não pode decorrer de uma situação meramente conjuntural, devendo ser planeada sob uma visão sustentável e integrada.”

“Profundamente preocupados” com o processo de gentrificação que, dizem, está a tomar a cidade a partir do centro, os signatários pedem ao governo e ao município uma política que faça da “capital, que se pretende habitada, plural e diversificada, uma cidade para ser vivida por todos e não apenas aceleradamente consumida por alguns.”

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