Fernando Santos, o treinador que deixou de ser engenheiro

Como jogador, não gostava muito de treinar, mas é exactamente o contrário desde que passou para o banco. Aos 62 anos, pode ser nesta segunda-feira eleito o melhor do mundo.

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Fernando Santos em 1998 como treinador do Estrela da Amadora, onde esteve de 1994 a 1998. Antes tinha treinado o Estoril Daniel Rocha/PÚBLICO
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Da Reboleira seguiu para as Antas Paulo Pimenta/PÚBLICO
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Foi treinador do Futebol Clube do Porto entre 1998 e 2001 Daniel Rocha/PÚBLICO
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“O cavalo passa à porta uma vez e a gente monta ou não monta”, disse-lhe Pinto da Costa. Fernando Santos aceitou o convite Fernando Veludo/PÚBLICO
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Na época 1998/99 conquistou o pentacampeonato para o FCP, sendo apelidado de "Engenheiro do Penta" Paulo Ricca/PÚBLICO
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Jogadores com Fernando Santos na festa do pentacampeonato Paulo Ricca/PÚBLICO
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Momento em que a equipa atira o treinador para a água durante os festejos nos balneários Paulo Ricca/PÚBLICO
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Paulo Ricca/PÚBLICO
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Jogo entre o FC Porto e o Braga em 1999 Paulo Ricca/PÚBLICO
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Pinto da Costa (esq) e Fernando Santos (dta) nas instalações da SAD do FC Porto em 1998 Manuel Roberto/PÚBLICO
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Fernando Santos com Pinto da Costa em Janeiro de 2001 Daniel Rocha/PÚBLICO
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Nas Antas ainda conquistaria mais duas Taças de Portugal e duas Supertaças em três épocas Fernando Veludo/PÚBLICO
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Com José Mourinho em 2002 AP Photo/Keystone/Laurent Gillieron
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Maio de 2006, apresentação de Fernando Santos como treinador do Benfica, ao lado de José Veiga, director desportivo, e Luís Filipe Vieira, presidente do clube PÚBLICO
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Esteve uma época no Benfica, até 2007 Miguel Madeira/PÚBLICO
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Miguel Madeira/PÚBLICO
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Fernando Santos na apresentação de Rui Costa como novo jogador do Benfica, 2006 Nuno Ferreira Santos/PÚBLICO
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Foi treinador do Sporting entre 2003 e 2004, apenas uma época Bruno Castanheira/PÚBLICO
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Fernando Santos em 2003 durante um treino da equipa na Academia do Sporting em Alcochete ASF/PRESS
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Jogo do Sporting com o Alverca ASF/ANDRE ALVES
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Em 2010 foi considerado o melhor treinador da década na Grécia e foi nomeado seleccionador dos helénicos AFP PHOTO / DANIEL MIHAILESCU
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Fernando Santos foi treinador da selecção da Grécia entre 2010 e 2014 REUTERS/David Mdzinarishvili
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Durante um jogo contra a República Checa em 2012 REUTERS/Dominic Ebenbichler
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Em 2014, Fernando Santos substituiu Paulo Bento como seleccionador nacional REUTERS/Hugo Correia
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Fernando Santos enquanto seleccionador nacional REUTERS/Charles Platiau
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Sessão de treino em Oeiras na preparação para o Euro2016 REUTERS/Rafael Marchante
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Com o primeiro-ministro António Costa durante o treino REUTERS/Rafael Marchante
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Marcelo Rebelo de Sousa recebeu a selecção nacional de futebol no Palácio de Belém antes da partida para o Euro2016 Miguel Manso/PÚBLICO
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Um dos momentos altos da final entre Portugal e França no Euro2016, em que Cristiano Ronaldo, fora do jogo devido a uma lesão, protagonizou os últimos minutos da partida lado a lado com o treinador REUTERS/Michael Dalder
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Jogo Portugal-França REUTERS/Carl Recine
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Jogo Portugal-França REUTERS/Kai Pfaffenbach
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A celebração do treinador pelos jogadores, depois da conquista do título de campeões europeus frente à selecção francesa REUTERS/Kai Pfaffenbach
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Fernando Santos com Cristiano Ronaldo na chegada da equipa a Portugal. “Só volto no dia 11”, era a convicção depois do empate com a Islândia REUTERS/Rafael Marchante
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O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu a selecção nacional de futebol depois de ter ganho o campeonato Europeu de futebol 2016 Rui Gaudêncio/PÚBLICO
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A 31 de Agosto 2016, no Salão Nobre da Câmara Municipal do Porto, o chefe de Estado agraciou com as insígnias da Ordem de Mérito os jogadores e o treinador pela conquista do Euro2016 Fernando Veludo/NFactos

Fernando Santos é o treinador que deixou de ser engenheiro e nunca o voltará a ser. Mas também foi o engenheiro que quase deixou de ser treinador. Nessa altura, em 1994, ainda era as duas coisas, mas quando deixou de ser treinador do Estoril, quis cortar relações com o futebol e dedicar-se à actividade da sua formação académica, engenharia electrotécnica e de telecomunicações. Alguns meses depois, recebeu uma chamada do Estrela da Amadora e não era para tratar da iluminação ou dos telefones do eternamente decrépito estádio José Gomes. Era mesmo para ser treinador. Da Reboleira foi para as Antas e, depois, vieram muitos outros palcos. Vinte e dois anos passaram desde esse momento de dúvida, Fernando Santos ainda carrega o título de engenheiro, mas o que conquistou a 10 de Julho passado é a prova de que o seu futuro não estava mesmo na engenharia.

Fernando Santos, de 62 anos, está nomeado para o prémio de melhor treinador do ano para a FIFA, ao lado de outro veterano que também foi protagonista de uma conquista improvável (Claudio Ranieri, campeão inglês com o Leicester City) e de um novato que teve sucesso numa equipa habituada a ganhar (Zinedine Zidane, campeão europeu com o Real Madrid). A história curta do prémio (atribuído desde 2010) não dá muitas pistas para quem gosta de adivinhar, mas há um antecedente animador para Fernando Santos. Em 2012 ganhou Vicente Del Bosque, treinador campeão europeu pela Espanha. E a ganhar, será o segundo português do palmarés, depois de José Mourinho em 2010.

Com barba, só com bigode ou com a cara limpa, Fernando Santos sempre projectou a mesma imagem: homem sério, austero, de sorriso nem sempre fácil (mas sorri bastante e tem sentido de humor), competente, de convicções fortes, conciliador. Católico praticante e de fé inabalável, com vocação evangelizadora como o próprio admitiu numa das muitas entrevistas que deu após o Euro. Com o crucifixo no bolso, o mesmo há mais de 20 anos, um testemunho da sua fé, que também ficou presente nas primeiras palavras após a final, uma carta que escrevera várias semanas antes. “Agradeço a Deus pai.” Esta é uma faceta incontornável de Fernando Santos, a sua religiosidade sempre presente, que nunca chegou a perder, mas que era menos evidente nos seus primeiros tempos de vida adulta.

Nado e criado em Lisboa (é um rapaz da Penha de França), Fernando Manuel Fernandes da Costa Santos anda no futebol praticamente desde que nasceu. Era um bebé com apenas 52 dias de idade quando os pais o levaram numa alcofa à inauguração do Estádio da Luz a 1 de Dezembro de 1954. Haveria de voltar à Luz na adolescência como futebolista aprendiz, ao lado das lendas Eusébio e Coluna, mas o pai não o deixava ser apenas jogador de futebol. Tinha de estudar. Com 18 anos, entrou no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e conseguiu ser futebolista-estudante durante cinco anos. Entretanto, como não tinha espaço no Benfica, foi para o Estoril-Praia porque Jimmy Hagan, técnico dos “encarnados”, reparou nele entre a multidão de jogadores que tinha na Luz e quis levá-lo quando se mudou para a equipa da Linha.

Como jogador, não era bem o que ele próprio exigiria como treinador aos seus atletas. “Reconheço que era bom jogador [era defesa, que jogava ao meio e à esquerda], mas tinha um problema, gostava pouco de treinar. Era daqueles que defendia que havia jogadores de treino e jogadores de jogo. Não era muito humilde, dava umas tangas para não treinar muito”, reconheceu numa entrevista recente à “Sábado”. Depois de acabar o curso no ISEL em 1977, o jovem defesa Fernando foi apenas jogador durante os dois anos seguintes, um no Estoril e outro no Marítimo. Porquê a mudança súbita para a Madeira? “Ganhava três vezes mais. Tinha acabado de casar e era bom para a estabilidade da família”, dizia em entrevista ao “Sol”.

Mas foi uma passagem efémera de apenas um ano. Regressou ao continente, mas desta vez já não se sustentava apenas a jogar futebol. Tinha de ter mais qualquer coisa e a solução foi trabalhar no Hotel Palácio, no Estoril, como director-técnico. Aqui foi o momento em que a engenharia esteve a ganhar ao futebol. Como jogador durante mais cinco anos e, depois, como treinador, sempre no Estoril, que levou até à primeira divisão. Na transição do Estoril para a Amoreira, houve a vontade de desistir. Quando foi para o Estrela, ainda foi engenheiro em part-time no hotel, e passou a estar na mira de muitos clubes.

Um deles era o FC Porto. Jorge Nuno Pinto da Costa precisava de um sucessor para António Oliveira. “O cavalo passa à porta uma vez e a gente monta ou não monta”, disse-lhe Pinto da Costa. Fernando Santos aceitou o convite, pediu uma licença sem vencimento no hotel e rumou a norte em 1998. Nessa época, seria engenheiro, mas só de título, o “engenheiro do penta”, campeão nacional com os “dragões”, o único título de campão nacional que conquistou em clubes – nas Antas ainda conquistaria mais duas Taças de Portugal e duas Supertaças em três épocas.

O FC Porto seria o primeiro dos três “grandes” no currículo de Fernando Santos, o único onde conquistou alguma coisa. Esteve uma época no Sporting (2003-04) e uma época e um jogo no Benfica (2006-07). Depois de cada um deles, Fernando Santos encontrou sempre refúgio na Grécia. As conquistas não foram muitas no AEK, Panathinaikos e PAOK – não é fácil romper o domínio do Olympiacos, nove títulos nos últimos dez anos – mas Santos deixou a sua marca de tal forma que em 2010 foi considerado o melhor treinador da década na Grécia e foi nomeado seleccionador dos helénicos, para substituir Otto Rehhagel, outro estrangeiro que era herói nacional por ter sido o treinador campeão no Euro 2004.

Também não conquistou nenhum título, mas levou a selecção grega a um Europeu e um Mundial, onde chegou aos oitavos-de-final, eliminado pela Costa Rica nos penáltis e com um castigo de oito jogos (que seria reduzido). Não renovou com a Grécia, mas voltou a não ficar muito tempo desocupado. Os dias de Paulo Bento na selecção portuguesa iriam terminar pouco depois de Mundial no Brasil e Santos foi a escolha segura e consensual para ocupar o cargo.

Recuperou alguns proscritos, lançou algumas novidades e, com uma grande dose de pragmatismo (é o treinador que se adapta aos jogadores que tem, e não o contrário, costuma dizer), mais em esforço do que em arte, a selecção portuguesa fez o seu caminho. Qualificação, fase de grupos, jogos a eliminar e final. “Só volto no dia 11”, era a convicção depois do empate com a Islândia. Sempre inabalável a cada jogo que passava, mas o dramatismo daquela final de certeza que lhe deu vontade de fumar um ou vários cigarros (fuma bastante), e ainda por cima tinha um eléctrico Cristiano Ronaldo com o joelho esquerdo ligado ao seu lado, a gritar por cima das suas ordens e a contar os segundos até ao apito final.

Nunca esteve muito tempo parado. A cada saída do futebol português, Fernando Santos tinha sempre alguém que o queria na Grécia, país onde passou 13 anos de forma não consecutiva. Desta vez, irá ficar em Portugal até 2020, até ao final da campanha desse Euro. Para defender o título, claro.

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