"É preciso que os orçamentos iniciais tenham compromissos realistas"

Especialista em economia da saúde fala num "problema de gestão que se traduz num crescimento persistente da dívida".

Foto
Pedro Pita Barros é vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa Enric Vives-Rubio (arquivo)

Pedro Pita Barros, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa e professor da Nova School of Business and Economics, arrancou com um observatório da dívida hospitalar em Abril de 2014, mas acompanha este “problema recorrente do sistema nacional de saúde” desde o milénio passado (1998).

A troika dedicou especial atenção aos pagamentos em atraso na saúde, a dívida diminuiu substancialmente, mas a tendência para o crescimento permanece. Algum Governo conseguiu resolver este problema?
De forma permanente, não. O momento mais duradouro em que [este problema] não se colocou foi com o Governo que entrou em 2005, pois aumentou de forma considerável o orçamento do Serviço Nacional de Saúde, permitindo atribuir aos hospitais orçamentos com um mínimo de realismo. Mas em Outubro de 2009 já se voltava a falar das dívidas “escondidas” dos hospitais.

O Ministério das Finanças acaba de autorizar um reforço de 120 milhões de euros para regularizar pagamentos em atraso. Isto é suficiente para resolver o problema?
Não é, pois o problema não é de valor, num momento do tempo. É sim um problema de gestão que se traduz num crescimento persistente da dívida. Enquanto não for encarado como um problema de gestão, e se achar que é apenas uma questão de regularizar dívidas, o problema não será resolvido. Ao fazer-se regularização das dívidas antigas está-se a fazer desparecer o stock mas não se altera a dinâmica de fluxo.

Como se combate esta tendência? Com orçamentos rectificativos? Com reformas? Que tipo de reformas?
No meu blogue apresentei algumas sugestões que reproduzo: é necessário que os orçamentos iniciais dos hospitais tenham compromissos financeiros e de actividade a realizar realistas (para que o crescimento da dívida à indústria farmacêutica não retome o seu papel de válvula de escape de má gestão justificada por orçamento insuficiente). Também que seja claro o que constitui a “responsabilidade reforçada” para que não haja novos pagamentos em atraso. Esta responsabilidade deverá ter três elementos centrais: acompanhamento mensal, pelas estruturas do Ministério da Saúde, dos hospitais com menor capacidade de controlo da dívida (a autonomia conquista-se pelo mérito de gestão demonstrado); se as equipas de gestão forem manifestamente incapazes devem ser destituídas; contemplar a possibilidade de áreas de actividade programada serem fechadas nos hospitais com menor capacidade de gestão, sendo transferidas para outros hospitais que tenham comprovadamente melhor capacidade de gestão. Também já propus que se proceda a auditorias-surpresa, com carácter aleatório, para verificar se há, ou não, situações de não registo de dívidas (contenção por “fantasmização”), e se avance com um sistema de registo das dívidas existentes por parte dos fornecedores (no sentido de, se não reclamarem agora a existência dessa dívida, não a poderão reclamar daqui a uns meses). A “fantasmização” da dívida exige conluio entre quem vende (por exemplo, empresas farmacêuticas) e quem compra (hospitais) quanto a não a registarem oficialmente. 

Sugerir correcção
Comentar