Abu Salem, o caso que há anos incomoda as relações Portugal-Índia

Salem foi detido em Portugal e extraditado em 2005. Está preso na cadeia de alta segurança de Taloja, na Índia. E é acusado de ter participado nos atentados à bomba de Bombaim em 1993.

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Abu Salem à chegada ao tribunal de Bombaim em Novembro de 2005 Vijayanand Gupta/Reuters

A tensão entre os responsáveis diplomáticos portugueses e indianos provocada pelo caso de Abu Salem foi várias vezes notícia nos últimos anos. Desconhece-se se o assunto será abordado, em algum momento, durante a visita de António Costa à Índia, mas o processo não está fechado. Depois de detido em Portugal em 2002 e condenado a quatro anos e meio de prisão, por, entre outros crimes, uso de documentação falsa, Abu Salem foi em 2005 entregue às autoridades indianas que insistiam na sua extradição, para o julgar por vários crimes. O Estado português estabeleceu condições: Salem não poderia ser condenado a uma pena de mais de 25 anos de prisão, tão pouco à pena de morte.

Salem encontra-se actualmente no estabelecimento prisional de alta segurança de Taloja, na Índia. Em 2015 foi condenado a prisão perpétua, por autoria moral do homicídio de um empresário indiano da construção civil. Mas ainda enfrenta a acusação de ter participado nos atentados, uma alegada vingança de muçulmanos sobre hindus, em Bombaim, a 12 de Março de 1993. Nos ataques à bomba morreram 257 pessoas e mais de 700 ficaram feridas.

Considera-se inocente, “só admite que trazia consigo uma arma sem licença”, diz Manuel Luís Ferreira, advogado de Salem. O julgamento de vários arguidos supostamente envolvidos nos ataques de 1993, entre os quais Salem, deverá chegar ao fim este ano. O advogado teme que o seu cliente venha a ser condenado à morte.

Quando em 2005 Portugal decidiu entregar Abu Salem à Índia, o país assegurou então que iria cumprir as exigências das autoridades portuguesas (nem prisão perpétua, nem pena de morte). As garantias foram aceites pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de Portugal.

Contudo, em 2011, a defesa de Abu Salem acabou por pedir a revogação da extradição. Salem estava a ser julgado e acusado num novo processo judicial em Bombaim, que não era o suposto. Mais: enfrentava um pedido de condenação a prisão perpétua. O Tribunal da Relação de Lisboa considerou então que o acordo fora quebrado pelas autoridades indianas. E em Janeiro de 2012 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu revogar a extradição. Portugal deveria pedir a devolução de Abu Salem. Vários responsáveis indianos manifestaram a sua preocupação para com a decisão do Surpremo português.

Já em 2014 deu entrada no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa uma acção administrativa, por parte de Abu Salem, que pedia ao Estado português que tomasse as devidas diligências para que o cidadão indiano fosse devolvido a Portugal. “Aguardamos resposta do tribunal administrativo quanto à acção de 2014 contra o Estado Português, representado pelo Ministério da Justiça e Ministério dos Negócios Estrangeiros”, assume o advogado Manuel Luís Ferreira. “Em 2015 foi condenado a prisão perpétua e a Índia prepara-se para condená-lo à morte”, diz o advogado. A defesa de Salem pondera, de resto, “recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para que interceda”.

Em Março de 1993 explodiram 12 bombas no centro da cidade de Bombaim. Depois dos atentados, Salem foi acusado pelas autoridades indianas de terrorismo, entre outros crimes. Abu Salem fugiu e viajou por vários países, com a sua namorada Mónica Bedi — estrela do cinema indiano. O casal acabou por ser detido em Lisboa. Mais de 14 anos depois, o caso não está fechado.

 
O PÚBLICO tentou saber junto do Governo português se o caso de Abu Salem vai ser abordado nesta visita oficial à Índia. Um porta-voz do primeiro-ministro disse não ter informação sobre o assunto. Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros não forneceu nos últimos dias qualquer espécie de pista sobre qual é a posição do executivo nesta matéria. Questionado sobre o ponto em que se encontra o processo, o Supremo Tribunal de Justiça entende que fazer cumprir a revogação da extradição cabe ao poder político. Com Ana Henriques

Texto editado por Andreia Sanches

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