E se David Bowie não pensou Blackstar como a sua despedida?

Em David Bowie: The Last Five Years faz-se a crónica dos últimos cinco anos de vida do cantor e defende-se que este continuava a olhar para o futuro enquanto trabalhava no último disco e no musical Lazarus. Estreia-se este sábado na BBC2.

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O vídeo de Lazarus ganhou todo um outro significado quando da morte de Bowie DR

Com a sua morte, alterou-se radicalmente a forma como víamos e ouvíamos Blackstar, o último álbum de David Bowie. Passou a ser um requiem, a sua forma de dizer adeus à vida através daquilo que melhor conhecemos dele, a sua arte. David Bowie: The Last Five Years, documentário que a BBC2 exibirá este sábado, conta uma história diferente. “Até hoje não sei se ele começou a fazer Blackstar antes ou depois de saber que estava doente”, disse o realizador Francis Whately ao Guardian. “As pessoas estão desesperadas por ver Blackstar como o presente de despedida que Bowie criou para o mundo quando soube que estava a morrer, mas julgo que é simplista vê-lo dessa forma. Há nele mais ambiguidade do que as pessoas querem reconhecer. Não penso que ele soubesse que ia morrer”.

O documentário, tal como o título indica, centra-se nos últimos cinco anos de vida de David Bowie, acompanhando o processo de criação de The Next Day, o álbum de regresso que apanhou todos de surpresa em 2013, bem como a preparação do musical Lazarus e a gravação de Blackstar, os seus dois últimos projectos. São incluídas entrevistas com Don McCaslin, líder da banda que gravou Blackstar, ou com Jonathan Barnbrook, responsável pela arte gráfica de The Next Day (que, descobre-se, teve como outras hipóteses de título Love is Lost e Where Are We Now?, que acabaria por baptizar uma das canções de Blackstar). Temos também oportunidade de ouvir faixas de voz isoladas de Lazarus ou Blackstar. Respeitando o apreço de Bowie pela sua privacidade, nenhum dos seus familiares foi entrevistado e o lado mais íntimo do cantor revela-se apenas enquanto sugestão, nas piadas trocadas com o seu produtor de quatro décadas, Tony Visconti, na forma como se relaciona com os outros músicos e através daquilo que dele contam aqueles que foram seus colaboradores próximos nos últimos anos.

É o caso de Johan Renck, que realizou o vídeo para Lazarus, em que David Bowie surge numa fria cama de hospital, botões sobre os olhos, cantando aqueles versos iniciais que, no dia da sua morte, a 10 de Janeiro de 2016, 69 anos festejados dois dias antes, ganharam profundo impacto: “Look up here, I’m heaven / I’ve got scars, that can’t be seen”. Tendo em conta a personagem da canção, o Lázaro da mitologia cristã, a ideia de ter Bowie numa cama não demorou a surgir. “Tinha a ver com o lado bíblico, o homem que se iria reerguer, e não com o facto de ele estar doente”, referiu. “Soube mais tarde que foi apenas durante a semana de rodagem que ele soube que estava tudo acabado, que iriam terminar os tratamentos e que a doença vencera”.

Francis Whately, colaborador de David Bowie há duas décadas, fora responsável por outro documentário de título semelhante, David Bowie: Five Years (2013), em que abordava aqueles que considerava os cinco anos determinantes na carreira de Bowie (encontrávamo-los entre 1971 e 1983). Ao trabalhar neste que a BBC2 estreará sábado deparou-se com um volume de trabalho e uma entrega ao trabalho por parte de Bowie que, na sua opinião, só tem paralelo com a decisiva fase inicial da sua carreira nos anos 1970. “Todos sabemos agora que ele estava doente, sabemos que estava a submeter-se a tratamento, mas isso não parece ter tido qualquer efeito na sua produção”.

Ivo Van Hove, o director artístico de Lazarus, o musical que estreou em Nova Iorque quando os pareceres médicos já não davam a Bowie qualquer hipótese de sobrevivência, recorda que, na noite da estreia, este lhe disse nos camarins, notoriamente fragilizado, mas entusiasmado: “Vamos começar a preparar um segundo espectáculo, a sequela de Lazarus”.

A verdade, porém, é que nunca conheceremos a natureza das intenções de David Bowie em Blackstar e no imaginário vídeo que o acompanha. A palavra a Francis Whately: “O David Bowie que conheci de forma limitada era extraordinariamente cortês, extraordinariamente bem-educado, conhecedor, absolutamente encantador. Mas duvidaria de alguém que diga que o conheceu verdadeiramente. Acho que ninguém o conheceu”.

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