Empurrar com a barriga

Portugal não pode enfiar a cabeça na areia e continuar numa gestão das contas públicas que não permite mais do que a tipicamente portuguesa táctica de empurrar os problemas com a barriga.

Esta semana viveu-se mais um aviso sobre a fragilidade económico-financeira portuguesa. Com o anúncio da subida da inflação na Alemanha, os juros da dívida pública portuguesa a dez anos subiram para os 3,9% na segunda-feira e para 4,1% na quinta-feira. Os alertas soaram não porque este seja um aleatório número mágico, mas porque os 4% de juros na dívida são o limite estabelecido pela DBRS para manter Portugal num nível BBB (baixo) em termos de classificação de rating. Ora, como é sabido, a DBRS é a única agência de rating que não colocou Portugal no lixo e é esta classificação que tem permitido ao Estado português continuar a contrair empréstimos no mercado financeiro.

A fragilidade portuguesa tem sido beneficiada pela notação da DBRS, mas também porque o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, tem levado a cabo uma política que permite a compra de dívida pública dos Estados periféricos da União Europeia pelo próprio BCE, que em Dezembro foi prolongada por mais seis meses. Esta política foi favorável a Portugal, mas está também a atingir o limite de um terço da dívida que pode ser comprada pelo BCE a cada país. Até quando poderá Mario Draghi manter uma política de gestão da compra de dívida pública que beneficia Portugal? Será que o prolongamento de seis meses, que terminará em Junho, poderá ser de renovado? E o limite do BCE irá ser alargado?

O primeiro-ministro, António Costa, parece acreditar que sim. Pelo menos é a leitura que pode ser feita do que afirmou na entrevista à RTP no início de Dezembro. “Havendo eleições na Alemanha, até Outubro de 2017 a UE não discutirá nada relativamente às dívidas”, afirmou António Costa, defendendo, contudo, ser inevitável que a União Europeia olhe para o problema das dívidas públicas dos Estados-membros: “Mas mais tarde ou mais cedo, infelizmente mais tarde do que cedo, isso exige uma resposta integrada. Mas colocar essa questão agora seria inútil e contraproducente.”

Com uma dívida pública que ascende a 133,1% do PIB é praticamente consensual que Portugal não tem condições não só de a pagar nas actuais condições como também que a elevada quantia que paga anualmente em juros – na ordem dos oito mil milhões de euros anuais em 2016 – prejudica a capacidade de o Estado português investir na economia e procurar contribuir para o crescimento económico. As fracas expectativas de crescimento são, aliás, assumidas pelo próprio Governo quando inscreve no Orçamento do Estado para 2017 uma previsão de subida do PIB de apenas 1,6% face aos 1,2% de 2016. E por muito que o Presidente da República tenha advertido, na sua primeira mensagem de Ano Novo, que “2017 tem de ser o ano da gestão a prazo e definição e execução do crescimento económico sustentado”, não parece plausível que a asfixiada economia portuguesa tenha condições de ser aliviada.

Até porque, se se pensar na situação financeira do Estado e nos compromissos em relação à estabilização do sistema bancário, fica claro a importância do esforço e do investimento de parte significativa dos fundos públicos. Não estão só em causa os 2,7 mil milhões obrigatórios para a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Também as dúvidas sobre a estratégia de venda do Novo Banco podem comprometer verbas do Orçamento do Estado. Isto já para não falar das implicações orçamentais do acordo com os lesados do Banco Espírito Santo, cujos contornos e valores não são ainda conhecidos.

É por isso que é importante que a questão da dívida pública seja debatida. Até porque se o primeiro-ministro pode ter razão quando assume que não é viável ser Portugal a levantar a questão e exigir renegociar a dívida como propõem o PCP e o BE, o facto é que Portugal não pode enfiar a cabeça na areia e continuar numa gestão das contas públicas que não permite mais do que a tipicamente portuguesa táctica de empurrar os problemas com a barriga.

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