Imparidades na CGD estavam em linha com restantes bancos em Junho

Os dados da Autoridade Bancária Europeia fazem levantar a questão: precisava a CGD de aumentar as imparidades em 2016? António Domingues, até dia 31 de Dezembro presidente da CGD, está hoje no Parlamento a responder aos deputados.

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António Domingues saiu da CGD, mas continua sem sucessor. O escolhido é Paulo Macedo, mas ainda aguarda decisão do BCE Miguel Manso

As imparidades da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no final de Junho de 2016 estavam em linha com os restantes bancos nacionais e da média europeia, segundo os dados divulgados no início de Dezembro pela Autoridade Bancária Europeia (EBA, sigla em inglês). Apesar destes números, a anterior gestão da Caixa, liderada por António Domingues, terá deixado pronto um plano estratégico que prevê um substancial aumento das imparidades que, entre outras consequências, levará o banco público a apresentar prejuízos históricos.

Os números da EBA mostram que as imparidades constituídas pela CGD comparam bem com os restantes bancos do sistema português, para quem foram apresentados resultados. As imparidades em percentagem do crédito em risco (os chamados non-performing loans [NPL]) são de 46,9%, apenas sendo ultrapassadas pelo Novo Banco e pelo Crédito Agrícola, mas ficando acima do BCP ou do BPI, por exemplo. E acima da média dos seis bancos portugueses para os quais há resultados (44%). A média dos 51 bancos europeus analisados pela EBA aponta para um valor de 52,5% para este indicador, melhor, mas não muito distante dos valores da CGD. Também quando se analisa o valor das imparidades constituídas em relação ao crédito em incumprimento os resultados apontam no mesmo sentido: a CGD compara bem com os restantes bancos do sistema.

Quando se avalia as imparidades e colaterais constituídos pelo banco público as conclusões também não são muito diferentes. A CGD apresentava um valor face aos NPL de 89,6%, quando a média dos seis bancos portugueses analisados era de 87,7% e a média dos bancos europeus avaliados era de 92,8%. Já o rácio entre imparidades e colaterais sobre o crédito em incumprimento aponta para valores também acima da média dos seis bancos portugueses e em linha com os da média dos bancos europeus analisados.

Mas não são apenas os números da EBA que não permitem avaliar da necessidade do aumento das imparidades no banco público. A gestão que antecedeu a curta passagem de António Domingues pela CGD também nunca deu sinais de que tal aumento de imparidades fosse necessário.

José de Matos, então presidente da CGD chegou a assegurar que as perdas relacionadas com os créditos mais problemáticos já tinham sido assumidos e que não havia necessidade de mais imparidades. “O que tive de reconhecer que perdi já foi reconhecido”, explicou José de Matos no início de 2016 adiantando que desde a sua entrada no banco público em 2011 reconheceu mais de 5000 milhões de euros de imparidades.

Um analista de mercado contactado pelo Público, mas que preferiu não ser identificado, lembra que já em 2015, últimas contas auditadas, as taxas de cobertura dos NPL por imparidades e colaterais eram superiores a 100%, “o que no caso, não justificaria acréscimo de registo de imparidades”. Já em Junho de 2016, prossegue o mesmo analista, a taxa de cobertura dos NPL passou para cerca de 90% quando no final do semestre do ano anterior era de cerca de 120%. Um agravamento que se deveu à subida dos NPL em cerca de 1000 milhões de euros num semestre: de 10.749 milhões de euros no final de 2015 para 11.678 milhões de euros no final do primeiro semestre de 2016, segundo os dados da EBA.

Ora, para cobrir a 100% os NPL por imparidades e colaterais, “a CGD teria de aumentar as imparidades em cerca de 1200 milhões de euros, se os NPL não se agravassem mais”, sublinha o analista, lembrando, no entanto que a questão é saber se “os valores dos NPL estão bem avaliados, se há NPL ‘disfarçados’ e se os colaterais estão bem avaliados.”

“Um e outro destes aspectos poderão justificar um registo suplementar de imparidades. O que causa maior perplexidade é que são o mesmo auditor e o mesmo supervisor a, aparentemente, defender que aquilo que anteriormente validaram não estaria bem”, salienta ainda o referido analista.

Estas questões poderão ser hoje respondidas por António Domingues na Assembleia da República quando for ouvido pelos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças onde irá responder sobre a sua passagem tumultuosa pela CGD.

PÚBLICO -
Aumentar

Dúvidas é o que António Domingues e a sua equipa não terão tido sobre a necessidade de aumentar o nível das imparidades do banco público a avaliar pelo plano estratégico deixado, mas cuja aplicação já caberá ao seu sucessor, o antigo ministro da Saúde, Paulo Macedo, que entretanto aguarda aprovação do Banco Central Europeu (BCE). Segundo o plano, noticiado pelo Expresso, a Caixa deverá apresentar um prejuízo entre dois a três mil milhões de euros em 2016 devido, entre outras razões à constituição de imparidades acima de 2,7 mil milhões de euros. A partir dos prejuízos históricos em 2016, o banco regressará aos lucros pelo menos até 2020, ano em que os lucros atingirão os 670 milhões de euros. Pelo meio haverá saídas de pessoal, que deverão ultrapassar os dois mil funcionários e o encerramento de cerca de 180 balcões.

A acompanhar o plano estratégico deverá avançar o plano de recapitalização, já negociado e aceite, em linhas gerais, por Bruxelas. Parte dele já devia ter ocorrido em 2016, mas foi adiado para o início do corrente ano: a passagem das acções da ParCaixa para a CGD e a conversão em capital das obrigações de capital contingente (as Cocos), num total de quase 1500 milhões de euros (500 milhões da Parcaixa e 960 das Cocos). Depois virá uma injecção de capital do Estado de 2700 milhões de euros e uma emissão obrigacionista de mil milhões de euros destinada a investidores privados.

No final do processo, a CGD deverá ficar com um rácio de capital, que permite medir a saúde da instituição, de 11%, acima dos valores obrigatórios.

E agora? Tendo em conta que as imparidades já estarão registadas, mas ainda não há aumento de capital. Esta é mais uma dúvida que António Domingues poderá responder hoje. Mas o economista Ricardo Cabral, em texto de opinião na página ao lado, já adianta. Considera a constituição das imparidades antes de decorrido o aumento de capital uma decisão “inaceitável e perigosa”. Segundo o economista, o rácio de capital ficará, ainda que momentaneamente “em aproximadamente 5%”. A 3 de Agosto de 2014, recorda Ricardo Cabral, o Banco de Portugal aplicou uma “medida de resolução BES porque o rácio de capital consolidado do BES caiu abaixo dos requisitos mínimos exigíveis, apresentando então um rácio CET1 consolidado de 5,1%”. Ou seja, as imparidades constituídas na CGD implicam rácios de capital próximos, ou mesmo inferiores aos registados pelo BES, mesmo que com um eventual acordo prévio do BCE.

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