Posição das Finanças leva a desmentido por escrito de António Domingues

O ex-presidente da CGD não queria responsabilidade na recapitalização, que avança já. Governo diz que Domingues se recusou a ficar e gestor escreveu ao ministro, desagradado.

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Miguel Manso

O ex-presidente da CGD, António Domingues, desmente o Ministério das Finanças e garante que se mostrou disponível para se manter em funções no banco público até à entrada da nova gestão liderada por Paulo Macedo. Uma tese que contraria a do Governo, que alega que Domingues “declinou o pedido feito” para continuar na Caixa “por mais alguns dias”. Segundo apurou o PÚBLICO, o gestor disse isto mesmo por escrito a Mário Centeno esta segunda-feira, desagradado com as posições públicas do Governo.

Quando Mário Centeno ligou a António Domingues para lhe perguntar se estava disponível para ficar na CGD até que o Banco Central Europeu (BCE) desse a luz verde para a futura administração assumir funções, o gestor respondeu afirmativamente. É o que Domingues garante ter feito, mas pedindo antes que o ministro das Finanças avaliasse junto dos seus serviços jurídicos uma solução legalmente aceitável para se poder manter no cargo a título pessoal (sem prorrogação do mandato) ainda que por apenas alguns dias. A renúncia de Domingues à presidência da CGD ocorreu a 27 de Novembro, com efeitos ao último dia do mês seguinte, 31 de Dezembro. A decisão era irrevogável, pelo que o timing teria de ser respeitado.

É por isso que, dentro do grupo estatal, havia a expectativa de que a tutela recorresse ao artigo 34 dos estatutos da Caixa (que possibilita a derrogação dos preceitos dispositivos do Código das Sociedades Comerciais) para levar Domingues a manter-se em funções por mais alguns dias. Mas não foi isto que aconteceu. Inquirido sobre o tema o Ministério das Finanças informou que não ia responder.

Na sequência do telefonema de 29 de Dezembro, o ministro das Finanças terá dito a Domingues que, no dia seguinte, a 30 de Dezembro, os serviços jurídicos do ministério falariam com Francisco Sá Carneiro, o seu advogado, para encontrarem uma solução. A preocupação de Domingues era ter garantida uma via que acautelasse eventuais responsabilidades futuras por atrasos relativos à recapitalização da Caixa, cuja primeira fase o Governo quer iniciar esta quarta-feira. Mas também aqui o Governo tem outra explicação: a de que o gestor queria ficar isento da norma do Orçamento, que obriga os gestores a entregar sem pré-condições as suas declarações de património.

Inquirido pelo PÚBLICO sobre o que se passou, António Domingues garantiu que “não só não recusou o pedido” de Centeno como “até se mostrou disponível” para ficar. Mas exigiu a tal clarificação jurídica que não lhe foi dada. O gestor confirmou ainda que a conversa com Centeno decorreu a 29 de Dezembro, já depois de ter jantado, e que foi antecedida de uma mensagem do ministro por sms. Tudo isto a dois dias apenas de terminar o seu mandato na Caixa, um período marcado por grande turbulência.

A saída do gestor do banco também não ficou isenta de ruído. Ainda não tinham decorrido 24 horas desde o telefonema de Centeno e já fonte oficial do Ministério das Finanças estava a revelar que iria assegurar a transição. A declaração seria revista horas mais tarde, com a mesma fonte a adiantar que Domingues afinal se recusou ficar na instituição, tese que este nega.  

As Finanças mantêm, no entanto, a sua versão. E esta segunda-feira emitiram uma nota: “António Domingues declinou o pedido feito para se manter em funções por mais alguns dias”. Uma posição que foi esta tarde contestada pelo gestor, por escrito em tom firme, junto de Centeno.

O Governo sublinha que “o período de transição será inteiramente assegurado pelos membros da actual administração que mantêm os respectivos mandatos”. Ou seja, por Tudela Martins, Ravara Marques e Pedro Leitão. Os três são executivos da equipa de Domingues na Caixa. Ao contrário dos dois últimos nomes, que não ficam com Macedo, o BCE “impôs” a continuidade de Tudela Martins, que ficará com o departamento de risco (pelouro que já tinha no BPI, antes de ingressar na CGD, o que o levou a negociar com o BCE). 

A entrada de Paulo Macedo na Caixa, um nome da esfera do PSD, deverá ocorrer nos próximos dias e é previsível que coloque um ponto final na luta política que se desencadeou em torno da gestão de Domingues. Mas se até esta quarta-feira, quatro de Janeiro, a nova administração não tomar posse a primeira fase de recapitalização da Caixa arrancará com uma gestão “provisória”. O Estado vai converter em capital 960 milhões de euros de CoCos (incluindo 60 milhões de euros de juros em falta)) e injectar no balanço mais 500 milhões. No total, são 1460 milhões de euros de fundos públicos. E continua sem se compreender o motivo que leva o BCE e não fechar as avaliações à nova administração, contribuindo para o vazio de poder na gestão do maior banco português.  

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