O Papa Francisco, a manjedoura, as palavras e o ser

Quem se atreverá a discordar que o consumismo não é uma malignidade das sociedades atuais?

Jesus Cristo nasceu há dois mil e dezasseis anos. É o que consta na nossa civilização cristã, ocidental.

Ao que se diz numa manjedoura porque os seus progenitores nada mais dispunham onde ele nascesse. Escolheram um local onde os animais domesticados comiam numa gruta entre palhas para se abrigarem do frio dado que em Belém, em dezembro, naquela parte da Palestina faz frio.

Tendo sido enviado à Terra por quem foi …”Deus pai todo poderoso…” poderia ter nascido onde seu pai verdadeiro quisesse, dado que José foi uma espécie de justificação para ele se assemelhar aos homens.

Quando o Papa Francisco no dia de natal beijou a figura de gesso do menino retirada do presépio na Igreja de São Pedro e olhando o esplendor circundante dá que pensar no que o Papa Francisco dizia acerca da pobreza e da exclusão.

As palavras eram belas e ao voarem para todos nós sabiam a justiça e de certo modo eram reconfortantes vindo de quem vinha e de quem tem pautado o seu “reinado” por tanta preocupação sempre mais próxima dos que nascem em manjedouras, bairros sem luz nem água, do que nos palácios ou apartamentos e torres de alto luxo. Sem muitos milhões os excluídos em contraste com a ínfima minoria de bilionários.

Sente-se o mesmo quando se visitam certas catedrais – a ostentação da riqueza em volta, desde os paramentos bordados a ouro à riqueza impressionante da Igreja de São Pedro até à indumentária dos guardas.

As palavras cheias de paz, de bondade, de fome de justiça contra o mundo do ter e aquele ambiente não batiam certo.

Todos aqueles homens estavam impecavelmente paramentados e as luzes cegavam de tão fascinantes. A melhor arte e peças e recantos nada tinham a ver com grutas, nem com manjedouras, nem com pobreza, nem com comiseração.

Francisco soltava palavras tremendas de significado. As televisões passaram-nas. E toda a gente as ouviu. E as esqueceu rapidamente porque o que conta é o que se tem e não o que se é. Ser- se, em verdade, não se é, se não se tem.

E daí a estranha sensação de um mundo de intenções a baterem nos muros da indiferença que começam no próprio templo onde tudo se parece com riqueza e longe, muito longe do mundo dos excluídos.

Não se exigiam grutas, nem manjedouras, nem gente andrajosa para se celebrar o natal. Nada disso. Apenas a sensação que ali não entrariam os pobres, nem os excluídos, pese embora as palavras de coragem de Francisco.

Diz-se que não basta dizer, embora o dizer já seja um começo de um caminho na boa ou má direção.

Falta, às vezes, às palavras a força das circunstâncias em que são proferidas e do compromisso que elas representam no caminho de um mundo mais justo e humano.

Quem se atreverá a discordar que o consumismo não é uma malignidade das sociedades atuais?

As palavras ditas, em Roma, na igreja de São Pedro, no meio da pompa da circunstância, podem perder grande parte do seu efeito pelo facto daqueles a quem era suposto se dirigirem já nada esperarem. E é pena. As palavras são grande parte do que somos; muito mais do que o que temos. São a leveza da alma. A opulência nega o que se é e o que se quer ser.

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