Nesta passagem de ano terá de esperar mais um segundo para abrir o champanhe

Desde 1972 que se acrescentaram vários segundos à escala do Tempo Universal Coordenado. Isto porque a velocidade de rotação da Terra tem abrandado ligeiramente.

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STEPHEN HIRD/Reuters

Mais umas horas e a noite de passagem de ano está aí. Só que este ano teremos de aguardar um segundo a mais para abrirmos as garrafas de champanhe e brindarmos à chegada de 2017 – é que, para quem estiver no mesmo fuso do Tempo Universal Coordenado, como Portugal continental e o arquipélago da Madeira, o último minuto de 2016 terá 61 segundos, em vez de 60. A contagem decrescente até à entrada no Ano Novo será um pouco diferente, algo como: “5, 4, 3, 2, 1, 1, Bom Ano!”

Porquê um segundo a mais? “Este segundo suplementar, ou intercalar, permite relacionar o tempo astronómico, ligado à rotação da Terra, com a escala do tempo legal extremamente estável definida desde 1967 pelos relógios atómicos”, explica em comunicado (citado pela agência AFP) o Observatório de Paris, que alberga o Serviço Internacional da Rotação Terrestre e dos Sistemas de Referência, ao qual compete esta decisão.

O objectivo é compensar o desfasamento entre a escala do Tempo Atómico Internacional (TAI) – que é muito rigorosa e actualmente definida por uma rede mundial de relógios atómicos – e a escala do tempo astronómico, definida pela rotação real da Terra, explica por sua vez o Observatório Astronómico de Lisboa, no seu site. É a partir do Tempo Atómico Internacional que deriva a escala do Tempo Universal Coordenado, ou UTC, e que é o fuso horário de referência a partir do qual hoje se calculam todos os outros fusos horários. Por outras palavras, o UTC é a hora de referência mundial, é a hora oficial da Terra.

O UTC entrou em vigor em 1972 para responder à necessidade de calcular a hora global de forma cada vez mais rigorosa (importante, por exemplo, para as rede de telecomunicações e transacções financeiras), e a invenção dos relógios atómicos, com grande precisão, veio permitir isso. Até aí, a hora oficial da Terra era medida em segundos “solares” (um segundo era então definido como 1/86.400 do “dia solar médio” e este é, por sua vez, o intervalo de tempo entre duas passagens consecutivas do Sol no ponto mais alto do céu de um lugar e que tem uma duração de 24 horas ou 86.400 segundos). A partir de 1972, a hora oficial da Terra passou a ser medida em segundos “atómicos” e o segundo definido então com base na frequência da radiação electromagnética emitida pelo átomo de césio.

Mas enquanto os relógios atómicos são muito estáveis, a velocidade de rotação da Terra não o é. A gravidade da Lua e do Sol influenciam-na, tal como as marés ou os sismos fortes, tornando-a ligeiramente irregular. A rotação da Terra tem estado progressivamente a abrandar (nos últimos séculos tornou-se mais lenta, por século, cerca de 1,7 milissegundos). Ora isto acaba por criar um outro problema. Aos poucos, vai-se acumulando um desfasamento entre o tempo astronómico e o Tempo Universal Coordenado (que é baseado, como se disse, no TAI medido pelos relógios atómicos).

Mas as instituições que regulam estas questões recomendaram que não houvesse um grande desfasamento entre a hora marcada pelo “relógio” natural da rotação da Terra e a hora “oficial” UTC. Essa diferença deveria manter-se inferior a 0,9 segundos. Para resolver este outro problema, o Serviço Internacional da Rotação Terrestre e dos Sistemas de Referência decidiu introduzir no UTC, de vez em quando, “segundos intercalares”. Quando esta medida foi aplicada pela primeira vez, em 1972, acrescentaram-se logo dez segundos. Desde então já se lhe juntaram outros 26 segundos, o que acontece ou no final de Junho ou de Dezembro. A última vez foi a 30 de Junho de 2015.

Ora acontece que estes acrescentos de segundos intercalares – para “abrandar” o tempo UTC e para que este acompanhe o passo “mais lento” de rotação da Terra face aos relógios atómicos – significam uma outra coisa. Os relógios atómicos, ou o TAI, vão agora 36 segundos à frente da hora UTC. Com o segundo suplementar de 31 de Dezembro deste ano, o TAI estará 37 segundos adiantado face ao UTC. Tudo para que o UTC não esteja muito distante do tempo astronómico.

Têm sido sempre acrescentados segundos – mas também poderiam ter sido subtraídos –, porque a tendência da rotação do nosso planeta tem sido para abrandar, e não para acelerar. Um segundo ou 37 segundos não têm grande relevância para actividades quotidianas como chegar a horas ao trabalho ou a uma reunião. Mas o mundo das transacções financeiras é um bom exemplo de como menos de um segundo vale muitos milhões de euros, durante o qual ocorrem milhões e milhões de transacções. Na realidade, o mundo das transacções financeiras nem vive ao compasso do segundo, nem sequer do milissegundo, mas do microssegundo.

Esta noite, a sequência de datas em todos os relógios que usam o UTC será a seguinte, como já tinha explicado o Serviço Internacional da Rotação Terrestre e dos Sistemas de Referência num comunicado de Julho: “23h59m59s de 31 de Dezembro; 23h59m60s de 31 de Dezembro; 0h,0m,0s de 1 de Janeiro de 2017.” E só em seguida o primeiro dia do novo ano terá direito ao seu primeiro segundo.

Em Portugal continental e na Madeira, a hora legal (ou oficial) coincide com o UTC. Por isso, o segundo que se vai acrescentar calha mesmo em cima da meia-noite nestas regiões portuguesas, quando as rolhas das garrafas de champanhe estiverem prontas a saltar. Já nos Açores, que têm menos uma hora em relação ao UTC, o segundo intercalar será acrescentado quando os relógios da hora legal portuguesa marcarem ali 22h59m60s.

E agora a todos: um bom ano!

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