Estatuto especial para os territórios de baixa densidade divide opiniões

Proposta apresentada pelo PSD em Julho ainda está na Assembleia da República e vem ao de cima no debate sobre o Programa Nacional de Coesão Territorial.

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Investigador da Universidade da Beira Interior julga que há “uma atitude assistencialista em relação ao interior” Adriano Miranda

A discussão emerge, amiúde, no debate público do Programa Nacional de Coesão Territorial, aprovado pelo Governo a 20 de Outubro: deve haver um estatuto especial para os territórios de baixa densidade, como existe para as regiões autónomas? E Helena Freitas, coordenadora da Unidade de Missão de Valorização do Interior, torce o nariz.

“Sou contra”, diz aquela professora da Universidade de Coimbra, eleita para a Assembleia da República nas listas do PS. “Acho que estigmatiza. Devemos tentar promover a coesão de uma forma integrada, tendo capacidade para olhar para os territórios que estão frágeis, que precisam de outras soluções, mas que não têm de pertencer a uma segunda divisão. O país não precisa disso. Um território insular é uma coisa distinta. Tem um contexto muito próprio”, sustenta.

A proposta de classificação de municípios de baixa densidade partiu da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). “Defendi o mapa da baixa densidade três ou quatro anos seguidos até conseguirmos ter a aprovação de 90% dos municípios, o que foi muito difícil”, conta o presidente da Câmara do Fundão, Paulo Fernandes. “Se nós, municípios, conseguimos convergir em algo que nos diferencia, como é que ainda não houve consenso na Assembleia da República?”

A ideia foi acolhida pelo Governo anterior. Foram identificados 164 municípios como territórios de baixa densidade – “baixos níveis de rendimento, empreendedorismo e inovação, fraca densidade populacional, valores acentuados de emigração e de envelhecimento, poucos serviços, escassa oferta de emprego”. E o mapa entrou em linha de conta nos diversos Planos Operacionais do Programa 2020.

Já em Julho deste ano, o PSD propôs a criação de um estatuto para estes territórios, que previa diferenciação positiva de ordem fiscal, investimento, acesso a serviços públicos. Várias entidades foram ouvidas. Houve debate. A 15 de Outubro, a proposta baixou à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, sem votação, por 90 dias.

“Acho que não se justifica e que não é bom”, declara Helena Freitas. Há diferenciação positiva na gestão dos fundos comunitários. No Plano Nacional de Coesão Territorial, que é interministerial, há várias medidas de política pública pensadas para reforçar esses territórios, inverter o declínio demográfico, atrair investimento, produzir riqueza. Há um debate “a acontecer de norte a sul”. A unidade de missão está “a trabalhar na Agenda do Interior, que há-de ser apresentada em Março”. E essa conterá uma estratégia de longo prazo virada para “o envelhecimento de qualidade, a inovação da base económica, a cooperação transfronteiriça, a acessibilidade digital, a atractividade dos territórios, a valorização do património”.  

André Barata vive com um pé no litoral e outro no interior, tem a família em Lisboa, é professor na Universidade da Beira Interior. E julga que há “uma atitude assistencialista em relação ao interior”. “É como se houvesse o país-país, verdadeiramente activo, que é o litoral, e um outro país, relativamente ao qual se tem uma posição assistencialista, que é o interior”, lamenta.

“Não podemos olhar para o interior como um coitadinho”, adverte aquele investigador das áreas da Filosofia da Linguagem, da História das Ideias Políticas. “Temos de ter a assunção clara da justeza da discriminação positiva. Enquanto não se entender que o interior tem de ser um desígnio nacional, que não interessa apenas ao interior, que interessa ao país todo, estamos num beco sem saída.”

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