Cursos de Comandos sem regras orientadoras há oito anos

Falta destas regras “deixa vazio grande, em termos de responsabilidade a atribuir, no caso de acidentes graves”, revelou inspecção do Exército. Candidatos do 127.º curso tinham uma carga horária média de 12,5 horas de formação por dia.

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Último curso dos Comandos decorreu em Setembro PEDRO CUNHA

Os cursos de comandos, que foram reactivados em 2002, estão há pelo menos oito anos sem regras orientadoras. A situação foi detectada inicialmente numa inspecção concluída em Novembro de 2008, que nessa altura alertava para a importância de definir os chamados “referenciais de curso” (conjunto de informação que orienta a organização, o desenvolvimento e o controlo da formação), considerando “muito urgente” a sua realização. A falta das regras permanece até hoje.

Isso mesmo é referido no relatório final da inspecção extraordinária do Exército ao curso, determinada após a morte de dois recrutas do 127.º Curso de Comandos, que colapsaram num treino físico intenso a 4 de Setembro passado, no primeiro dia do curso. Nesse dia o Exército registou 40,7 graus Celcius no local da prova, em Alcochete.

O relatório mostra que os recrutas não começaram a formação nesse dia, já que, desde 8 de Agosto, decorria o estágio de preparação, que visa adaptar gradualmente os candidatos às exigências do curso. Os autores da inspecção explicam que normalmente este curso ocorre em Outubro (há outro em Abril), mas que por questões administrativas foi antecipado quatro semanas, o que fez com que a formação arrancasse ainda no Verão.

Relativamente às regras orientadoras do curso, em Setembro de 2009, o Regimento de Comandos chegou a enviar uma proposta à hierarquia, que não teve seguimento. Em 2012, as regras foram novamente remetidas ao Comando de Instrução e Doutrina, mas foi pedida a sua reformulação de acordo com uma nova metodologia aprovada em 2013, o que nunca aconteceu.

Uma outra inspecção realizada em 2009 detectava o mesmo problema, sublinhando que a falta dessas regras “deixa um vazio grande, em termos de responsabilidade a atribuir, no caso de acidentes graves”.

Faltam militares com competências para o efeito

Em Abril deste ano, uma nota da Repartição de Tecnologias Educativas e de Qualificação avisava que os cursos que não tivessem referencial aprovado não poderiam integrar o plano de formação para o próximo ano. A inspecção ao curso de Comandos nota que as dificuldades na elaboração destes documentos são partilhadas por vários pólos, que justificam essa falha com a falta de militares com competências para o efeito.

Dos cinco documentos que compõem estas regras orientadoras apenas umafoi aprovado em Junho de 2014: “Proposta e Fundamentação do Curso”. Faltam o Certificado de Controlo de Curso; o Perfil de Cargo/Profissional; o Perfil de Formação e o Perfil de Avaliação. “Pelo facto de não haver referenciais de curso aprovados, não se pode afirmar que os cursos se encontrem testados”, lê-se no relatório da inspecção extraordinária.

O 127.º curso tinha previsto 72 dias úteis de formação e 901 ou 908 horas de formação, dependendo da categoria do militar, o que dá em média 12,5 e 12,6 horas de formação por dia. A carga horária é igual à do 126.º curso, mas bastante inferior à praticada na acção anterior com 17,86 horas de formação por dia.

No relatório, nota-se ainda que o 127.º curso foi, dos últimos quatro, aquele em que os formadores estiveram menos tempo reunidos para preparar e uniformizar a formação. Quatro dias úteis que contrastam com os 17 da formação anterior.

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