A solução para os lesados do BES já existe, mas poucos a conhecem

Associação dos lesados congratula-se com entendimento. Costa admite: “Não conseguimos endireitar a sombra de uma vara torta”.

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Ricardo Ângelo, presidente da Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial, agradeceu ao primeiro-ministro JORNAL PÚBLICO
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O ex-presidente da CMVM, Carlos Tavares (na fotografia, à conversa com Ricardo Ângelo), foi elogiado pelo presidente da associação dos lesados JORNAL PÚBLICO
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Diogo Lacerda Machado foi o mediador das negociações, em representação de António Costa JORNAL PÚBLICO
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Ricardo Ângelo disse que, no início, o problema tentou ser empurrado “para debaixo do tapete” JORNAL PÚBLICO
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Costa garantiu que a solução não obrigará a um “esforço financeiro” dos contribuintes JORNAL PÚBLICO
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A solução foi confirmada em S. Bento, na residência oficial do primeiro-ministro JORNAL PÚBLICO

É uma solução que não elimina totalmente as perdas, mas que as minimiza. “Não endireitámos a vara, nem a sombra, mas cumprimos o nosso dever”. O primeiro-ministro chamou a si o dossier dos lesados do BES e, na hora de o apresentar, lembrou uma metáfora que aprendeu com o professor de Direito Jorge Leite para falar da solução que será proposta aos clientes que compraram – e perderam – papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES) aos balcões do BES.

Com o compromisso encontrado, os lesados poderão “minimizar as perdas existentes”, afirmou António Costa, numa cerimónia na residência oficial do primeiro-ministro, onde os lesados e o Governo se congratularam com a solução encontrada, mas onde pouco foi explicado sobre o entendimento alcançado entre as partes envolvidas – o Governo, o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o BES (“banco mau”) e a Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial. Houve elogios de parte a parte, saudou-se a solução, mas a conferência pública acabou sem direito a perguntas dos jornalistas.

Na condição de mediador e “porta-voz meramente circunstancial” do grupo de trabalho, o representante do primeiro-ministro nas negociações, o advogado do Diogo Lacerda Machado, começou por referir ter sido encontrada uma “possível solução para minorar as perdas sofridas”, no que se espera ser o fim de mais de dois anos de incerteza para dois mil investidores e as respectivas famílias, que investiram perto de 500 milhões de euros.

A solução, disse, pretende “dar resposta aos clientes efectivamente lesados”. Os pagamentos serão feitos de forma faseada, mas “sem ignorar as situações de urgência em temos de liquidez” de alguns dos lesados. Do total de 485 milhões de euros aplicados em papel comercial, Diogo Machado garantiu que foram criadas condições para pagar 286 milhões de euros, os seja, 58,9%.

Pouco foi revelado sobre a solução desenhada, com a qual se congratulou, numa declaração emotiva, o presidente da Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, Ricardo Ângelo.

Segundo as informações recolhidas pelo PÚBLICO, mas não referidas durante a apresentação oficial da solução na residência oficial do primeiro-ministro, a proposta permite aos lesados recuperar entre 50% e 75% do capital investido, em função do valor aplicado. A solução, negociada desde Março deste ano com sucessivos adiamentos, beneficia os clientes que investiram menos dinheiro no papel comercial emitido pelo GES, vendido aos balcões do BES como se fosse um produto financeiro do banco.

As partes envolvidas terão acertado que até 500 mil euros aplicados os clientes recuperarão 75% do valor, com um tecto máximo de 250 mil euros. Ou seja, quem aplicou 400 mil euros não receberá 300 mil euros (que corresponderiam aos 75%), mas apenas 250 mil euros. No caso de aplicações acima de 500 mil euros, a percentagem de recuperação é também de 50%. Na prática, um investidor que aplicou 800 mil euros recupera 400 mil. Este montante é mais elevado do que o tecto máximo para quem investiu menos, mas também suporta uma percentagem de perda maior.

O PÚBLICO apurou que o valor aplicado neste produto financeiro está bloqueado há cerca de dois anos e meio e será pago até 2019, com a primeira tranche, de 30%, a ser avançada em 2017. Caberá a cada um dos lesados decidir se aceita a proposta, encontrada numa mediação fora dos tribunais.

Consenso “entre o rato e o gato”

Ricardo Ângelo, representante dos lesados, desdobrou-se em elogios. Primeiro, ao mediador e emissário do primeiro-ministro Lacerda Machado, a quem louvou a capacidade de “criar consenso entre o rato e o gato”. E não deixou de brincar: “Toda a gente percebe agora por que é que é o melhor amigo do Dr. António Costa…”. Uma frase que deixou o primeiro-ministro a sorrir.

Ao primeiro-ministro, Ricardo Ângelo agradeceu a inteligência e o empenhamento, a Carlos Tavares o facto de ter mantido a “sua posição atrás da justiça”. E para Carlos Costa, que o ouvia, também deixou uma palavra. Admitindo que houve procedimentos “errados” contra o governador que se deveram a “desespero”, acabou a elogiá-lo pela “capacidade de ultrapassar isso mesmo e [de], a partir de determinada altura, ter consciência [da importância de ser encontrada uma solução]” .

Numa primeira fase, recordou Ricardo Ângelo, a associação dos lesados saiu para a rua porque não era ouvida e sentia que se tentava empurrar um problema “para debaixo do tapete”, mas o “comportamento alterou-se quando o comportamento político também se alterou. Uma mudança que atribuiu directamente ao primeiro-ministro. “Devemos isso ao Dr. António Costa, que de uma forma inteligente apercebeu-se que isto era um problema, não nosso, mas um problema do país”, elogiou.

O que estava em causa no caso dos lesados, reforçou depois o primeiro-ministro, “não era só a questão de satisfazer as necessidades” de quem tinha sido lesado, mas também de “credibilidade” dos produtos financeiros e a necessidade de reforçar a confiança no sistema financeiro português. Costa agradeceu o papel do BdP e da CMVM para a estabilização do sistema financeiro no país, lembrando o processo de recapitalização a lançar na Caixa Geral de Depósitos e o investimento directo estrangeiro na capitalização dos bancos privados. E não deixou de agradecer ao amigo Lacerda Machado.

O primeiro-ministro garantiu que a solução encontrada não recairá sobre os contribuintes, mas não explicou como será possível assegurá-lo. “Aqui há uns anos, o professor Jorge Leite ensinou-me uma frase – não retirada de nenhum livro de direito, mas da experiência da vida; e ensinou-me que era impossível endireitar a sombra de uma vara torta. Não conseguimos o milagre de endireitar a sombra de uma vara torta, mas conseguimos uma solução que não isenta de pagar quem tem obrigação de pagar; permite a quem tem direito, antecipar o que tem a receber; e garante aos contribuintes que não terão que assegurar com o seu esforço financeiro a ultrapassagem desta situação”. Por isso afirmou: “Não endireitámos a vara, nem a sombra, mas acho que cumprimos o nosso dever”.

Numa rápida apresentação de 20 minutos, que terminou logo que o primeiro-ministro acabou de falar, sem direito a perguntas, ficou por conhecer, em concreto, o que vai ser proposto aos lesados. A apresentação contou com a presença de representantes dos lesados, do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e da actual e do ex-presidente da CMVM, Gabriela Figueiredo Dias e Carlos Tavares.

PSD com dúvidas

Reagindo ao anúncio, o deputado do PSD Duarte Pacheco manifestou dúvidas sobre o entendimento. “Se a solução foi encontrada sem pôr os contribuintes a pagar, excelente. Se os contribuintes, na primeira linha ou numa segunda linha, vierem a ser chamados a pagar, foi um mau compromisso”, criticou, citado pela Lusa. O grupo parlamenta do PSD, revelou, vai requerer o envio da documentação ao Parlamento, porque, admitindo que possa ter sido revelado “apenas parte da verdade”.

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