Exército birmanês acusado de “crimes contra a humanidade” pela Amnistia

Abusos contra a minoria rohingya preocupam países do Sudeste Asiático. Quase 30 mil terão fugido para o Bangladesh desde Outubro.

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Escombros de casas incendiadas pelo Exército no estado de Rakhine AFP/YE AUNG THU

O Exército birmanês tem cometido abusos contra a minoria muçulmana rohingya no país que podem constituir “crimes contra a humanidade”, diz a Amnistia Internacional, num relatório publicado esta segunda-feira. Os militares são acusados de matar, torturar, violar mulheres e crianças e destruir aldeias inteiras de uma comunidade que é alvo de repressão há várias décadas.

O relatório da Amnistia – que entrevistou 55 pessoas – refere um quadro de “punição colectiva” dirigida contra toda a comunidade rohingya. “As acções deploráveis dos militares podem ser parte de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil e podem constituir crimes contra a humanidade”, diz o director da organização para o Sudeste Asiático, Rafendi Djamin.

O acesso ao estado de Rakhine, onde estão concentrados os rohingya, está altamente limitado pelo Exército, desde que foi lançada uma ofensiva militar, no início de Outubro, em resposta a uma série de ataques coordenados contra postos da guarda fronteiriça. O Exército atribui a autoria dos ataques a “grupos terroristas organizados”, mas a sua acção não tem poupado os civis.

Os militares entram nas aldeias de surpresa e disparam indiscriminadamente contra quem lhes aparece à frente, dizem as testemunhas citadas pela Amnistia. Num dos casos, um jovem de 13 anos foi arrastado de casa e morto com tiros. Noutra ocasião, os militares recorreram a dois helicópteros equipados com metralhadoras e dispararam contra casas de várias aldeias.

Milhares de refugiados

A perseguição aos rohingya em Rakhine está a acelerar a fuga de pessoas para o Bangladesh. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados calcula que 27 mil tenham fugido para este país vizinho desde Outubro, mas a Amnistia acusa o Governo de Daca de impedir as travessias e de expulsar de forma ilegal os refugiados que chegam ao país. O ministro do Interior, Asaduzzaman Khan, é citado no relatório referindo-se à “infiltração de rohingya” como um “assunto desconfortável para o Bangladesh”.

O relatório da Amnistia junta-se a vários outros relatos e alertas que têm sido deixados por organizações acerca da situação dos rohingya na Birmânia. A ONU declarou em Novembro que o Exército está a conduzir uma operação de “limpeza étnica” e a Human Rights Watch publicou imagens obtidas por satélite que mostram a extensão da destruição das aldeias da comunidade. O comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Raad Al-Hussein, criticou a conduta do Governo birmanês, que disse ser “irreflectida, contra-produtiva e insensível”.

O novo Governo, o primeiro liderado por civis após a vitória da Liga Nacional para a Democracia, de Aung San Suu Kyi, tem sido acusado de passividade perante os abusos do Exército.

Os rohingya são uma das etnias mais perseguidas em todo o mundo, privados de direitos de cidadania pela Birmânia, sem liberdade de circulação, enfrentam um dilema entre levarem uma vida de pobreza e maus-tratos em Rakhine ou enfrentarem uma perigosa travessia marítima para o Bangladesh, onde a sua permanência não é assegurada. Anos de perseguição têm levado a uma gradual radicalização de parte da comunidade, que vê cada vez mais nas armas uma resposta para a sua situação.

A Malásia – um dos maiores países muçulmanos da região – questionou directamente a Birmânia sobre os abusos cometidos contra os rohingya, durante uma reunião extraordinária da Associação de Países do Sudeste Asiático (ASEAN) esta segunda-feira. É pouco habitual que este fórum regional, de cariz sobretudo económico, se debruce sobre questões internas dos seus estados-membro.

O Governo birmanês tem apoiado a ofensiva militar em Rakhine, com o argumento de que as operações se têm limitado aos militantes considerados terroristas. Há alguns meses, Suu Kyi nomeou uma comissão para investigar alegados abusos contra os rohingya liderada pelo antigo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, mas pouco se sabe acerca das suas conclusões.

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